Viciada em heroína e com cirrose hepática, Billie tornu-se um farrapo humano| Foto: Divulgação

A agonia final de Billie Holiday começou às três horas da manhã de 15 de março de 1959, quando Lester Young morreu num quarto de hotel no centro de Nova Iorque. "Estas mortes acontecem em trios", comentou ela durante o enterro. Mencionou outro músico morto recentemente e disse: "Eu vou ser a número três." Não era apenas o parceiro de vida e de música que desaparecia, era a alma irmã de Billie. Lester a tinha acompanhado ao saxofone há pouco mais de um ano, no programa da TV CBS The Sound of Jazz, um reencontro comovente imortalizado em vídeo. Meses antes, ela confidenciou ao guitarrista John Collins, na Califórnia: "John, estou cansada dessa merda toda. Tentei me livrar das drogas e não consegui. Não sinto mais prazer em trepar, nisso e naquilo, não sinto mais prazer em nada."

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Em abril, amigos festejaram seu aniversário, ela cozinhou para os convidados, mas já não comia praticamente nada. Amigos mais chegados ficaram chocados com sua condição física. Em 25 de maio cantou num concerto beneficente no Phoenix Theatre, em Nova Iorque.

O comediante Steve Allen e o crítico Leonard Feather a ajudaram a caminhar até o microfone. Feather a encontrou no camarim, a boca mole, saliva escorrendo pelo queixo. "O que foi, Leonard? Viu um fantasma?" Em 31 de maio sofreu um colapso no seu apartamento e foi parar numa tenda de oxigênio num hospital do Harlem. Mal largou o oxigênio, voltou a fumar. Seu principal problema era cirrose hepática, mas o coração, os rins e outros órgãos também estavam comprometidos.

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Uma enfermeira alegou ter encontrado no quarto um papelote de heroína em papel laminado e salpicos de pó no nariz de Billie. A cantora negou veementemente. No início da internação, consumira a heroína que trouxera na bolsa. Depois, para evitar os males da abstinência, o próprio hospital a submeteu a tratamento com metadona, um sucedâneo da heroína usado no processo de desintoxicação.

Atrelada a uma parafernália de aparelhos, Billie não teria condições de se mexer para cheirar pó. A polícia não deu ouvidos e, em 12 de junho, ela foi presa,e acusada de posse de narcóticos. Tiraram-lhe tudo: rádio, toca-discos, revistas de fofocas e quadrinhos, flores, uma caixa de chocolate, um sorvete italiano e o telefone. Com graxa preta e almofada de carimbo e tiraram suas impressões digitais. Dois guardas foram postados à sua porta. Foi algemada à cama de hospital por dois detetives, aos quais se juntou um terceiro.

O escritor e amigo William Dufty, coautor da autobiografia de Billie, escreveu um artigo para a revista de escândalos Con­fi­dential, o único canal que encontrou para sensibilizar público e autoridades sobre a situação da cantora. Recebeu US$ 840 que repassou para Billie; ela deu a Dufty US$ 90 e ficou com US$ 750 dólares.

Com 44 dias de hospital – e 44 anos de vida – quando parecia a caminho da recuperação, Billie começou a piorar e entrou num estado semicomatoso. As enfermeiras que lhe davam banho encontraram um rolo de 15 notas de US$ 50 enroladas com fita durex na sua vagina. Eram os US$ 750 da revista Confidential.

O médico Frederick J. Spencer, no livro Jazz and Death: Medical Profiles of Jazz Greats (2002), afirma que "o esconderijo de Billie para o seu dinheiro pode ter contribuído para sua morte. Havia um cateter urinário inserido como parte do tratamento, sempre uma avenida potencial para que a infecção alcançasse a bexiga" .

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Billie morreu em 17 de julho de 1959, à mesma hora de Lester, as três da manhã, um momento sobre o qual o místico espanhol San Juan de la Cruz dizia: "Na noite escura da alma, são sempre três horas da manhã".