Após o terceiro sinal, silêncio e fumaça de gelo seco no salão. O pistom tira a surdina e a voz cadenciada de Odamir Bartholomeu, o Tuca do pandeiro, põe as coisas no lugar: "Na gafieira segue o baile calmamente...".
VÍDEO: Confira Os Velhos Guris tocando as músicas do novo disco do grupo
A cena se deu há duas semanas e meia, mais precisamente no dia 6 de dezembro. A gafieira, o bar Villa das Artes, no Alto da XV.
Era a noite de lançamento do disco Relembrando Sambas, dos Velhos Guris, bambas senhores da batucada curitibana. Grupo que se reuniu nos corredores do lar para idosos Recanto do Tarumã, em 2003. Para cada um dos cinco "guris" era um sonho virando realidade contra todos os prognósticos.
Caminhos
Pois cada um desembarcou no samba por um caminho de vida bem diferente.
Ivo Domingos Mendes, 63 anos, foi motorista por 45 e hoje, mesmo preferindo uma moda sertaneja, pilota o tamborim.
De Flávio Nunes, 72, pouco se sabe. Ele fala pouco, não escreve. Consta que já morou na rua e na Fazenda Solidariedade. Descobriu-se, porém, que ele leva muito jeito para o bongô. José da Costa tem 73 anos, trabalhou na roça em Minas Gerais, no Norte Pioneiro paranaense e foi feirante em Curitiba. Agora lhe cabe chacoalhar o ganzá com empolgação de menino.
O violeiro Urias já fez de tudo um pouco: vigilante, bancário, cobrador e vendedor. No Recanto do Tarumã, ele reencontrou a viola que aprendeu a tocar aos 8 anos e uma alegria de viver que também dava por perdida.
Já Tuca do pandeiro é o crooner, o único dos "guris" que foi músico e boêmio profissional, cobra criada no circo de Belarmino e Gabriela.
"Olha o breque", comanda. Os colegas guris seguram. "O enfeite do samba é um breque bem colocado", disse.
Musicoterapia
Os Velhos Guris foi formado por inspiração da musicoterapeuta Claudimara Zanchetta, que aportou no Recanto Tarumã em 2003. Além de Tuca, outros dois moradores músicos, Jorge "Saci" de Barros e Honório dos Santos (ambos já falecidos), a convenceram a formar uma banda. A condição inegociável era de que o samba seria o ritmo e o espírito de todo o negócio.
Com paciência e alto astral, Claudimara foi recrutando novos componentes com algum talento em potencial já que samba não se aprende no colégio e os Velhos Guris começaram a animar as festas juninas, de Natal e carnaval dos colegas de asilo. A coisa foi ficando séria e um disco artesanal chegou a ser gravado.
Em 2010, o projeto dos Velhos Guris venceu o Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010 Edição Inezita Barroso, promovido pelo Ministério da Cultura.
Com o prêmio de R$ 20 mil e uma ajuda da mesma monta da empresa de transporte Ouro Verde, veio a chance de investir em novos instrumentos, dar um tapa na indumentária da rapaziada sapato branco, chapéu de aba curta e camisa colorida e gravar um CD com estrutura profissional.
Clássicos
O disco é bem produzido. O repertório, sugerido em maior parte pela memória ainda maciça do líder informal Tuca, é uma antologia de sambas dos principais compositores do país nas décadas de 1930, 40 e 50. Os sambas paulistas de Adoniran Barbosa ("As Mariposa", "Iracema" e "Prova de Carinho"), três clássicos de Noel Rosa ("Palpite Infeliz", "Feitiço da Vila" e "As Pastorinhas"), Dorival Caymmi ("Marina" e "Rosa Morena"), além de Ataulfo Alves, Zé Keti, Geraldo Pereira e outras serestas, sambas de breque, sambas-canção e sincopado.
Com uma agenda intensa de shows e aceitando convites os Velhos Guris mostram que estão por aí para o que der e vier.
CADERNO G | 3:15
A banda Velhos Guris formada por sambistas que vivem no Lar dos Idosos Recanto do Tarumã tocam no corredor da casa e ensaiam o repertório de seu novo disco Relembrando Sambas.
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