A poesia é a forma de expressão mais usada entre os milhares de escritores que compõem parte do contingente de mais de três milhões de brasileiros que vivem no exterior. Esta constatação foi uma das forças que levaram a professora mineira Else Vieira a realizar um delicado e ousado trabalho.
Durante cerca de duas décadas, a titular da cadeira de Estudos Brasileiros e Latino-Americanos na Universidade de Londres pesquisou, arquivou, editou e traduziu a produção poética de um grupo de seis brasileiros residentes na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá.
O livro Poetas à Deriva Primeira Antologia da Poesia da Diáspora Brasileira, recém-publicado e com lançamento comercial previsto para setembro, é o resultado dessa escavação. Desenvolvido como trabalho de pós-doutorado na Universidade de Oxford (Inglaterra), em edição bilíngue, a obra, para a Else, é um "marco", pois cria "uma memória cultural da diáspora brasileira em formação".
No registro literário, sem discutir a qualidade dos textos compilados, os poemas podem ser lidos tanto do ponto de vista da literatura brasileira quanto do pais receptor do escritor imigrante. Há também um retrato de uma época histórica e política do Brasil.
Imigração
O período retratado pelo livro é, segundo a organizadora, o momento em que a imigração brasileira ganhou "contornos nítidos", durante a década de 1990. Após a abertura política em 1985 e um inesperado desencanto com os primeiros anos da democratização do país, houve "uma reversão história".
"O Brasil durante cinco séculos foi receptor de imigrantes e tornou-se um país exportador. Uma presença que não se identifica em forma visíveis, mas que se sente, por exemplo, pelo português do Brasil que se ouve a todo momento nos metrôs e nas ruas", descreve Else.
Assim, o livro nasce com a vocação para objeto de pesquisa em universidades estrangeiras, tanto na área de ciências sociais, como das letras.
Vozes
A antologia reúne diferentes vozes poéticas com sentimentos consonantes aos desterrados. Todos os autores, por exemplo, escreveram poemas que narram caminhadas solitárias pelas ruas e esquinas estrangeiras. Os pensamentos vertidos em versos, em regra, misturam lembranças do passado no Brasil com a angústia de um futuro incerto no exílio.
Uma destas vozes é a da paranaense Vilmara Bello, nascida em São João do Triunfo. No final dos anos 1990, a ex-jogadora profissional de vôlei, formada em publicidade, depois de uma passagem malsucedida pelos Estados Unidos, foi visitar a irmã em Londres. Acabou ficando por seis anos.
Lá, em pouco tempo, passou a se encontrar com outros patrícios com veleidades literárias na Casa Brasil, misto de bar e centro cultural, no qual em uma noite por semana se lia textos de Carlos Drummond de Andrade e os poemas dos próprios punhos.
"Quem escreve já é meio deslocado do mundo real. O desterro só aumenta o sofrimento", confessa Vilmara. "O sentimento é de estar fora de tudo, de ter perdido espaço [no Brasil] e saber que dificilmente se vai conquistá-lo aqui [no exterior]", diz.
Vilmara expressa de forma muito tocante no livro outro tema recorrente: o luto devastador pela morte de uma pessoa amada no Brasil. "Somos mais estrangeiros em uma terra estrangeira, onde não há um túmulo visível", explica Else, citando o filosofo francês Gilles Deleuze (1925-1995).
"O local onde jazem os antepassados é o ponto do qual medimos o ponto de imobilidade, a partir do qual medimos o nosso afastamento e toda essa distância", afirma Else.
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