Na estante
Arthur Dapieve é jornalista do jornal O Globo, no qual mantém uma coluna semanal, e escreve para o site No Mínimo. Além de Morreu na Contramão, o escritor já publicou outros livros:
BRock O Rock Brasileiro dos Anos 80 (Editora 34, R$ 34)
Miúdos Metafísicos (Topbooks, R$ 23)
J. Carlos Contra a Guerra (Casa da palavra, 285 págs., R$ 80)
Por Que Nós, Brasileiros, Dizemos Não à Guerra (Planeta, 130 págs., R$ 21)
Renato Russo O Trovador Solitário (Ediouro, 216 págs., R$ 34)
Os Paralamas do Sucesso (Senac SP, 240 págs., R$ 89,90)
De Cada Amor Tu Herdarás Só o Cinismo (Objetiva, 224 págs., R$ 34,90)
A indagação ecoa desde a descoberta da podridão em que estava imerso um certo reino dinamarquês. A dúvida existencial do príncipe Hamlet, revelada na máxima "ser ou não ser", cresce diante dos versos que a seguem. Hamlet cogitava o suicídio? "Morrer dormir,/ Nada mais; e dizer que pelo sono/ Findam-se as dores (...)".
Se a morte é considerada tabu, a morte voluntária, então, nem se fala.
Harold Bloom é um dos que nega a existência de um duelo suicida nos versos de Hamlet. Contra o crítico literário, entretanto, pesa o fato de que Shakeaspeare fez do suicídio o destino de 53 de seus personagens. Cleópatra, Romeu, Julieta, McBeth e Otelo, entre eles. Quem observa a insistência do bardo pela decisão extrema é Arthur Dapieve, no livro Morreu na Contramão O Suicídio como Notícia (Jorge Zahar, 196 págs., R$39). Atento ao silêncio da sociedade e da imprensa frente às mortes voluntárias, o jornalista sentiu despertada a necessidade de colocar o assunto em discussão. "Falar do suicídio é, de certa forma, exorcizá-lo", diz, em entrevista ao Caderno G.
De fato, fechar os olhos para a possibilidade de suicídio e esperar que nunca ocorra com alguém próximo não afasta ou reduz o risco. Discutir o tema, para Dapieve, é uma maneira mais adequada de resgatar a dignidade dos suicidas, diminuir o impacto sobre os que ficam e até mesmo salvar vidas. E não são poucas. A cada 40 segundos, uma pessoa no mundo se mata. Entre 20 e 60 milhões tentam acabar com a própria vida a cada ano. Quase um milhão consegue.
Os números superam as mortes decorrentes da violência urbana e das guerras. O suicídio não é um acontecimento extraordinário, mas permanece um tabu um ato que, segundo os dicionários, é considerado impuro e proibido, sob pena de reprovação e, portanto, é silenciado. Intrigado com as evasivas da imprensa ao noticiar casos de morte voluntária, Dapieve propôs-se uma investigação do tema. O interesse teve também raízes pessoais: a observação do tratamento dado ao suicídio na redação do jornal carioca O Globo, para o qual escreve há quase 15 anos; o início da carreira como crítico de rock, "um gênero cheio de suicidas"; e o fato de já ter pensado em se matar.
Fora dos noticiários
A taxa de suicidas brasileiros é baixa em comparação a de outros países são 4,5 casos a cada cem mil habitantes, enquanto Portugal tem 11,1 para cem mil habitantes mas está em crescimento. "E, no entanto, a imprensa pouco aborda a questão e, quando o faz, quase sempre obscurece o acontecimento individual alguém decidiu que a vida não valia mais a pena ser vivida atrás de uma cortina de eufemismos", escreve Dapieve.
O silêncio da imprensa se fundamenta no temor de um "contágio". É clássico o caso do "efeito Werther", quando jovens alemães foram encontrados mortos ao lado de um exemplar de Os Sofrimentos do Jovem Werther, em que o personagem de Goethe, apaixonado por Charlote e sem esperanças de consumar seu amor, decide-se por atentar contra a própria vida. A morte de Marilyn Monroe, de maneira semelhante, aumentou em 12% a taxa de autocídios. Embora sejam exceções (em geral, suicídios amplamente noticiados aumentariam a ocorrência em torno de 2,5%), a possibilidade de transmissão justifica o receio.
Dapieve analisa o comportamento da imprensa em relação ao assunto e identifica a tendência de não revelar a causa da morte em casos de suicídios de pessoas desconhecidas. Quanto às mortes que envolvem famosos, as abordagens são mais variadas. O jornalista comenta o tratamento jornalístico ao suicídio da atriz Ariclê Perez e à queda da apresentadora Doris Giesse de uma janela. "No caso da Ariclê, que efetivamente se matou, a imprensa ou mencionou o fato de maneira discreta, o que é apropriado, ou simplesmente ignorou as circunstâncias, o que segue o tabu. No caso da Doris, porém, em que não há nenhuma prova de que ela tenha tentado se matar (quem quer se matar pula com o gato?!) mencionou-se o tempo todo a possibilidade de suicídio. É como se ela devesse ser punida por efetivamente ter tentado o suicídio", comenta.
A dúvida, segundo o autor, não deve ser noticiar suicídios ou não. "O silêncio é sempre o pior procedimento diante de qualquer problema", acredita. A questão é "como" fazê-lo. Um dos cuidados necessários, por exemplo, seria não detalhar os meios usados pelo suicida, para não incentivar a imitação. Ele mesmo esteve atento à maneira de abordar o assunto no livro. "Minha preocupação foi não fazer a apologia do suicídio, tornando seus praticantes heróis e, também, não condená-los, tornando-os pecadores ou criminosos. São pessoas como nós, mas que enfrentaram situações difíceis e tomaram uma decisão extrema", observa.
Sem um sentido na vida
O senso comum atual, segundo Dapieve, diz que quem comete suicídio está "louco". "Já é uma melhora, já que no passado era julgado 'endemoniado'", lembra. As explicações sobrenaturais deram lugar à concorrência entre razões psicológicas e sociológicas.
Para Albert Camus, refletir sobre o suicídio é um problema filosófico. "Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia", escreve em O Mito de Sísifo. Por essa ótica, o suicídio poderia ser entendido como a decisão racional da situação de morte. Mais corrente é a visão do suicídio como um ato desesperado. "Este dilema não se resolve, porque o que é desespero para o sobrevivente pode ser uma decisão racional para o suicida", diz Dapieve.
O sociológo Emile Durkheim, outro pensador que deu atenção ao assunto, entende o suicídio como um ato individual condicionado ao contexto social. Durkheim, uma das principais fontes de pesquisa de Dapieve para o livro, afirma que a integração na vida social, religiosa e doméstica diminui a taxa de suicídios em comparação aos ateus, solteiros ou marginalizados. Em compensação, a integração social demasiada levaria ao suicida altruísta.
Como acontece com qualquer tabu, pouco se fala ou se reflete sobre o suicídio. O mérito de Dapieve está exatamente em aclará-lo. Morreu na Contramão não resolve a equação sobre impulsos suicidas desesperados ou racionais ou sobre como se deve noticiá-los. Sua grande contribuição é colocar o assunto em discussão.
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