Um diplomata, certa vez, disse que Itamar Franco teve um mandato presidencial mais produtivo do que se imagina. Principalmente por três feitos: derrubou a inflação, elegeu seu sucessor e ganhou uma Copa do Mundo. Obviamente, dizia ele, a taça conquistada nos EUA, em 1994, era o mais importante. O recado é simples. Muitas vezes, um presidente é lembrado por aquilo que nem mesmo fez, mas que aconteceu durante sua época. Assim, quando se fala de uma Era Vargas na cultura, não quer dizer que o ditador gaúcho tenha qualquer mérito nisso. Mas sua presidência virou símbolo de um período que nos trouxe a poesia de Carlos Drummond de Andrade, os romances de Jorge Amado e Erico Verissimo, o período áureo das rádios e do samba, Carmen Miranda e assim por diante.
JK, o símbolo momentâneo da nostalgia nacional, também virou ícone. Nesse caso, dos tais anos dourados vividos pelos brasileiros em meio à década de 1950. E a nova onda de empolgação por Juscelino Kubitschek que desde o seu centenário, em 2002 ganhou quilos de livros e agora uma minissérie na Rede Globo, trouxe junto os ecos de uma era em que o Brasil se modernizou culturalmente a olhos vistos. De certa maneira, o período entre o fim do getulismo e o começo das turbulências que levariam ao regime militar seguiu o slogan criado para o presidente mineiro: foram pouco mais do que cinco anos, mas mudaram a cultura do país pelos próximos 50.
"Em todo o mundo estavam acontecendo mudanças modernizadoras, desde o fim da Segunda Guerra Mundial", explica o professor de História da UFPR Luiz Carlos Ribeiro. Segundo ele, no terceiro mundo, a mudança demorou um pouco, mas chegou no fim dos anos 50. "Era um momento de grande concentração urbana, em que as pessoas passavam a trabalhar em indústrias e a ter mais dinheiro para consumir bens, inclusive culturais", resume. Para o historiador, JK soube aproveitar o momento e surfar nas novidades.
E os tempos eram realmente de novidades. A capital era nova. A industrialização trazia novos empregos, novos gostos e mais dinheiro para a classe média comprar os produtos do momento. As tevês tomavam o lugar do rádio. A revolução de comportamento iniciada pelo rock de Elvis Presley encurtava saias e criava uma juventude transviada. A cultura acompanhou tudo isso. A música trocava os vozeirões pela batida de João Gilberto. A bossa era nova. O cinema também queria ser novo. Com Nelson Pereira dos Santos e seu Rio 40 Graus surge o movimento que iria culminar mais tarde em Glauber Rocha.
Na literatura, o país vivia um de seus melhores momentos. Olhando para a produção dos anos 50 é possível encontrar uns cinco ou seis nomes que poderiam merecer um Nobel de literatura. Guimarães Rosa, no auge da carreira, publicava Grande Sertão: Veredas. Na poesia, além dos veteranos Drummond e Bandeira, que estavam na ativa, despontava cada vez mais sólido João Cabral de Melo Neto, publicando Morte e Vida Severina. Nelson Rodrigues encenava Beijo no Asfalto, enquanto Ariano Suassuna escrevia O Auto da Compadecida. Fora eles, estavam na batalha nomes como Erico Verissimo, Clarice Lispector e Graciliano Ramos.
Simpático como era, cheio de carisma, JK passou a simbolizar todo o bom momento, fator a que deve boa parte de sua popularidade. Já na época, ganhou o apelido de "presidente bossa-nova", que o jovem Juca Chaves definiu muito bem em uma de suas primeiras canções. "Juscelino viveu em uma época em que estávamos transformando o Brasil de preto-e-branco em colorido. Foi por isso que cunhei esse apelido", conta o menestrel, que cantou a modinha para o próprio presidente, em 1958.
Ah, só para não deixar passar. Juscelino também ganhou uma copa. A primeira do Brasil, em 1958. Presidente sortudo é outra coisa.
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