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O filme Guerra dos Mundos diz que as formas de vida extraterrestres, se existirem, só podem ser hostis. Baseado no romance homônimo do britânico H. G. Wells, Steven Spielberg encerra algumas paranóias caras à sociedade norte-americana, como a xenofobia – quem vem de fora, quer nos destruir e, justamente, precisa ser destruído – e o egocentrismo – Tom Cruise, o herói do longa-metragem, concentra seus esforços em salvar os seus conterrâneos e não dá a mínima para o resto da humanidade. Idéias como essas – mas não só elas – embalam a ficção científica americana e têm nada a ver com o desenvolvimento do gênero no Brasil. Estranha o suficiente – e não mais do que o tango japonês ou o carnaval finlandês –, a ficção científica brasileira teve seus momentos iniciais no século 19, influenciada pelos escritores franceses Júlio Verne (1828 – 1905) e Camille Flammarion (1842 – 1925).

A produção tupiniquim da literatura consagrada por Isaac Asimov (1920 – 1992) é o objeto de estudo da professora norte-americana Elizabeth Ginway há quase 20 anos. Na próxima quarta-feira, ela lança na Fnac Pinheiros, de São Paulo, o livro Ficção Científica Brasileira – Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro (Tradução de Roberto de Sousa Causo. Devir Editora, 240 págs, preço a definir), tendo como convidados o escritor Ignacio de Loyola Brandão, autor de Não Verás País Nenhum (1981), uma das obras que levaram a pesquisadora ao tema de seu livro, e Gumercindo Rocha Dórea, dono da editora GRD e responsável por boa parte da ficção científica produzida no Brasil a partir dos anos 60.

Doutora pela Vanderbilt University, Libby – como prefere ser chamada – dá aulas sobre Machado de Assis, teatro e cinema brasileiros na University of Florida. Seu primeiro contato com as letras nacionais aconteceu na faculdade, durante uma aula de língua portuguesa, quando leu O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. O passo seguinte, rumo à ficção científica, veio com a leitura de vários romances brasileiros, entre eles, Fazenda Modelo (1974), de Chico Buarque, e O Fruto de Vosso Ventre (1976), de Herberto Sales.

Perguntada se o seu objeto de estudos causa espanto nos americanos – que, normalmente, vêem o Brasil como uma grande selva carnavalesca –, Libby conta que costuma explicar o uso da ficção científica como meio de medir a reação brasileira à modernização. "Os americanos parecem entender perfeitamente as implicações disso. Acho que, na verdade, são os brasileiros que mais se espantam", diz Libby. O recorte feito por seu livro vai dos anos 60 ao século 21 e relaciona características curiosas. Parte da ficção científica produzida por brasileiros, segundo a professora, fala de uma sociedade em que as diferenças de classes, de raças e outros legados da época colonial foram magicamente eliminados. Tais objetivos aparecem em O Presidente Negro ou Choque das Raças (1926), de Monteiro Lobato, e A Presidente da República no Ano 2500 (1929), de Adalzira Bittencourt.

Para Libby, os textos de ficção científica pressupõem a existência das ciências ou sustentam uma visão científica do mundo. Eles são identificáveis por ícones clássicos: alienígenas, robôs, humanos alterados cientificamente, naves e estações espaciais, cidades futurísticas e terras devastadas. Exemplos abundam na literatura e fora dela: 2001: Uma Odisséia no Espaço, Jornada nas Estrelas, Guerra nas Estrelas, Blade Runner – O Caçador de Andróides, Mad Max e, entre os mais recentes, Eu, Robô, Minority Report – A Nova Lei e o próprio Guerra dos Mundos.

A ficção científica brasileira seguiu caminhos semelhantes aos da européia e da americana, porém com cenários brasileiros ou com uma visão brasileira dos acontecimentos. Além de encarnar fantasmas da realidade nacional – desemprego, crime e aids –, robôs e alienígenas renderam histórias surreais. No conto "Missão T-935", parte do livro A Testemunha do Tempo (1963), de Guido Wilmar Sassi, um ser de Atlantis vêm à Terra com a missão de reconquistá-la para seu povo, mas é seduzido pela sensualidade do carnaval carioca. "O que me parece abrasileirar muito o conceito de conquista", afirma Libby.

Para a pesquisadora, Menotti del Picchia (A Filha do Inca, de 1949), André Carneiro (A Nave Perdida, 1963) e Braulio Tavares (A Espinha Dorsal da Memória, 1989) são os três principais escritores do gênero no país do futebol, que ainda não tem seu Isaac Asimov. Quem chega mais perto do grande cientista e escritor russo radicado nos EUA, autor do clássico Eu, Robô, é Jerônimo Monteiro, considerado o "pai da ficção científica brasileira", e Jorge Luiz Calife, autor de Horizonte de Eventos (1986), fundamental para a nova geração.

A ficção científica teve um momento de euforia no Brasil dos anos 90 e hoje experimenta uma fase mais amena. Seus leitores, talvez mais do que os de outros gêneros, são satisfeitos pelo cinema e a tevê. Tratando, em meio a vários temas, da relação entre escravo e senhor, da democracia racial e do mito das três raças formadoras da sociedade brasileira (branco, negro e índio), os escritores nacionais transformaram os padrões e ícones da ficção científica através de uma visão brasileira do mundo. Essa é uma das conclusões do estudo de Libby Ginway. O que não é pouco.

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