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Brian de Palma no lançamento de seu novo filme no Festival de Cinema de Veneza | Reuters/Gazeta do Povo
Brian de Palma no lançamento de seu novo filme no Festival de Cinema de Veneza| Foto: Reuters/Gazeta do Povo

Os povos antigos tentaram explicar a multiplicidade de idiomas contando a história da Torre de Babel, construída pelos descendentes de Noé com a pretensão de alcançar o céu. Tanta ambição provocou a ira de Deus, que fez com que cada um falasse uma língua diferente, espalhando-os por toda a Terra.

Aí surgiram os tradutores, dispostos a desafiar o castigo divino ao transpor a escrita de outras línguas para a sua, quebrando a barreira lingüística. E, se assim não fosse, o feitiço se viraria contra o feiticeiro: Deus não conseguiria espalhar Sua palavra, visto que, a Bíblia, originalmente em hebraico, aramaico e grego, teve de ser traduzida para o latim e, mais tarde, em outras línguas, para ser plenamente compreendida.

Anedotas à parte, coube a São Jerônimo a tradução para o latim do texto que se tornaria a Bíblia oficial da Igreja Católica. Naquela época, o padroeiro dos tradutores, como ele ficaria conhecido, já reclamava da qualidade das traduções e da falta de exatidão dos copistas. No entanto, em sua epístola "Os Princípios da Boa Tradução", afirma que, exceto no caso das Escrituras Sagradas, não era preciso realizar uma tradução ipis litteris (palavra por palavra); bastava traduzir o significado.

"Os critérios de fidelidade ao original são, hoje em dia, seguramente mais elevados do que eram há uma geração, que dirá há um século", explica a escritora Susan Sontag, no ensaio que escreveu sobre tradução literária, "Sobre Ser Traduzida" (Questão de Ênfase. Companhia das Letras, 446 págs., 2005). (Leia mais sobre isso à pág. 2)

Além disso, até pouco tempo atrás, não era fácil encontrar tantas traduções de obras literárias como hoje, seja prosa ou poesia. Com respeito a alguns livros, a quantidade é até excessiva, como analisa Sontag ao contabilizar que, entre 1947 e 1972, houve 11 traduções alemãs de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e após a década de 50, pelo menos dez novas traduções para o inglês de Madame Bovary, de Gustave Flaubert.

Basta recordar que, no Brasil do século de 19, os filhos de famílias abastadas iam estudar na Europa e aprendiam francês – que, como o inglês hoje em dia, era a língua oficial das pessoas cultas, políticos e homens de negócios – para ler Balzac, Flaubert e Guy de Maupassant no original.

Contribuição

Mas, em plena era da globalização, em que traduzir se torna imperativo como forma de driblar as barreiras lingüísticas que impedem a livre circulação de mercadorias, como escreve Sontag, a produção dos tradutores é quase infinita. Sorte dos leitores.

"Pense o que seria da poderosa literatura russa sem traduções. Quem lê russo no mundo é apenas uma fração (quase insignificante) do público leitor de Chekhov, do público influenciado, comovido, tocado por Chekhov. E isso não seria possível sem a atividade do tradutor", diz Caetano Galindo, professor de Lingüística da Universidade Federal do Paraná.

Galindo é autor da mais nova tradução para o português de Ulisses, do escritor irlandês James Joyce, que deve sair em 2012 (quando vencem os direitos autorais), pela Ateliê Editorial, de São Paulo. Traduzir esse livro, escrito em várias línguas e considerado de transposição extremamente difícil pela crítica literária, talvez seja a prova de que todo o livro pode ser traduzido. "

Todo? O jornalista e tradutor José Geraldo Couto acha que sim, "mas (a obra) sempre perderá alguma coisa. Alguns, como Grande Sertão: Veredas (de Guimarães Rosa) ou Finnegans Wake, de Joyce, perderão quase tudo, pois sua matéria fundamental é a linguagem. Quando muito se consegue traduzir seu sentido geral, mas perde-se a música, o sabor das palavras".

Mas, então, o que ganha o leitor ao ler uma tradução, ao invés de beber na fonte original?

Primeiro, há o motivo óbvio. Ninguém é obrigado a entender russo, japonês ou hebraico para ter acesso à obra de Dostoievski, Kenzaburo Oe ou Amós Oz.

Além disso, "uma tradução pode superar as expectativas de seu leitor, assim como do próprio autor da obra original por terem escolhas lingüísticas tão bem definidas e elaboradas que fazem com que o texto ganhe vida própria, sobretudo, por não se assemelhar a uma tradução, mas a uma obra per se", considera Adail Sebastião Rodrigues Júnior, professor de Língua Inglesa da Universidade de Ouro Preto.

Caetano Galindo vai além ao dizer que o tradutor deve se sentir autor do texto final. "Caso contrário, ele está inclusive escamoteando uma responsabilidade sua", diz.

Embora a pretensão do tradutor deva ser a de servir com fidelidade o autor e a língua-alvo, há casos de traduções que superam em qualidade o texto original. "É plenamente possível que o texto final de uma tradução, quando avaliado pela régua da sua língua, da sua tradição literária, seja melhor que o texto do original conforme analisado por parâmetros simétricos. Basta o tradutor ser um prosador melhor que o autor. O que pode acontecer", opina Galindo.

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