Os espectadores que recebem suas notícias exclusivamente com o apresentador Chris Cuomo, da CNN, podem ter perdido um ou dois detalhes sobre o massacre cometido na manhã de domingo em Orlando: “Eu não disse o nome dele nem uma única vez”, afirmou.
É claro que a CNN fez uma reportagem sobre Omar Mateen, de 29 anos, de Fort Pierce, Flórida, que matou 49 pessoas na boate Pulse em Orlando e, numa ligação à polícia, declarou sua fidelidade ao Estado Islâmico. No entanto, conforme vem progredindo a narrativa do tiroteio em massa mais mortífero da história dos EUA, os noticiários vêm tentando evitar repetir a veiculação do nome e da imagem de Mateen.
Uma fonte da NBC News/MSNBC, por exemplo, relatou que a emissora continuará a mencionar o nome e mostrar as fotos de Matten, mas que eles preferem dar um maior enfoque nas vítimas, sobreviventes e nas questões políticas por trás da história.
Anderson Cooper, da CNN, que, no passado, se declarou a favor de limitar a glória midiática de assassinos em massa, não pretende “mostrar o seu rosto ou dizer seu nome”, segundo uma porta-voz da CNN, a emissora ainda não se pronunciou oficialmente por escrito. ABC News, CBS News e Fox News também não se posicionaram.
Noção deturpada de fama e glória
O diretor do FBI, James B. Comey hoje colocou mais lenha na fogueira da discussão sobre o quanto é adequado ou não revelar o nome e imagens do atirador de Orlando. Num informe sobre o massacre, Comey fez questão de apontar essa restrição: “Vocês devem ter observado que eu não estou utilizando o nome do assassino, e tentarei continuar assim. Parte do que motiva essas pessoas doentes a cometer esse tipo de coisa é alguma noção deturpada de fama ou glória, e eu não quero ter parte nisso, pelo bem das vítimas e suas famílias”.
No Huffington Post, nosso enfoque editorial são as vítimas e as comunidades afetadas por esse atentado – bem como os esforços daqueles que se dedicam a encontrar soluções para a violência armada, homofobia e muitos outros problemas.
Esses comentários lembram os do xerife John Hanlin, do condado de Douglas, após o massacre do outono passado no Umpqua Community College, em Roseburg, no Oregon: “Vou ser bem claro: não vou mencionar o atirador por nome. Não vou dar crédito a ele por esse ato horrendo de covardia”, disse Hanlin, que também pediu à mídia que seguisse seu exemplo.
Quando perguntaram sobre a declaração de Comey, o editor executivo Marty Baron, do Washington Post, respondeu: “Nós relatamos as notícias. Isso envolve a identidade dos suspeitos, inclusive o de terroristas e assassinos em massa. Vale notar que o FBI, a agência que James Comey supervisiona, identificou Omar Mateen como o atirador numa conferência à imprensa no domingo”.
Foco nas vítimas
A editora executiva do Huffington Post, Liz Heron, tinha o seguinte a dizer, através de uma porta-voz: “A identidade do atirador é uma parte relevante para essa notícia, e portanto, precisamos mencioná-la. Porém, limitaremos o uso de seu nome e imagem, porque no Huffington Post nosso enfoque editorial são as vítimas e as comunidades afetadas por esse atentado – bem como os esforços daqueles que se dedicam a encontrar soluções para a violência armada, homofobia e muitos outros problemas perturbadores que essa tragédia realça”.
Acreditamos que o nome é digno de notícia. Precisamos saber quem ele é, suas origens, sua família, se era radicalizado, se tinha vínculo ou não com outras organizações radicais e assim por diante.
E Susan Chira, vice-editora executiva do New York Times, afirmou: “Nós mencionamos o atirador por nome, como fizemos consistentemente no passado, porque acreditamos que o nome é digno de notícia. Precisamos saber quem ele é, suas origens, sua família, se era radicalizado, se tinha vínculo ou não com outras organizações radicais e assim por diante. É difícil escrever sobre as origens de alguém, país natal e vida familiar sem citar nomes. Isso também nos ajuda a ser o mais transparentes possível com o leitor.
“Há certas circunstâncias, como no caso de vítimas de estupro, em que não citamos o nome da vítima por consideração pela sua privacidade, mas isso não se aplica neste caso. Compreendemos que as organizações de aplicação da lei e líderes políticos preferem não mencionar o nome dos assassinos numa tentativa de negar sua publicidade ou glória, mas acreditamos que, como uma organização jornalística, essa não deve ser nossa abordagem”.
“Sorriso de desdém”
O argumento a favor da diminuição da repetição do nome e das imagens de atiradores em massa deriva de estudos sobre suas motivações. Como comenta Mark Follman na revista Mother Jones, apesar de quaisquer ilusões ou perturbações obsessivas das quais eles possam padecer, muitos atiradores têm uma noção nítida de como suas ações serão vistas pela mídia e pelo público.
Não deve ser subestimado o quanto esses indivíduos entendem de como podem capitalizar em cima da sua exposição visual.
“Muitas vezes, eles acabam sendo bem sucedidos justo por causa da pose”, diz Reid Meloy, psicólogo forense da California University, em San Diego, que já entrevistou e avaliou assassinos em massa e é um dos principais pesquisadores sobre atos de violência com alvos específicos.
Ele cita o retrato policial de Jared Loughner, que atirou na congressista Gabrielle Giffords e em outras 18 vítimas em Tucson, Arizona, em 2011. “Ele tem aquele sorriso de desdém, como se estivesse fazendo uma grande pose. Não deve ser subestimado o quanto esses indivíduos entendem de como podem capitalizar em cima da sua exposição visual”.
Estímulo pelo exemplo
Os ativistas que fundaram o site “No Notoriety” também lançaram um desafio aos veículos da mídia, que inclui o seguinte apelo: “Limitem o uso do nome e da aparência do indivíduo nas reportagens que se seguem à sua identificação inicial, exceto quando o suspeito estiver ainda à solta e essa identificação possa ser útil em ajudar a capturá-lo”.
Há provas significativas de que assassinatos em massa com armas de fogo são incentivados por eventos semelhantes no passado . Parece que, sim, a cobertura da mídia nacional acaba aumentando a frequência dessas tragédias.
Um estudo bastante citado de 2015, liderado por Sherry Towers, pesquisadora da Arizona State University, encontrou “provas significativas de que assassinatos em massa com armas de fogo são incentivados por eventos semelhantes no passado imediato”.
Nessa entrevista, Towers aponta o dedo para a mídia: “Parece que, sim, a cobertura da mídia nacional acaba aumentando a frequência dessas tragédias... O xerife no Oregon tomou a decisão de não mencionar o nome do assassino. Talvez essa escolha seja o começo de um diálogo nacional sobre como podemos escolher fazer a cobertura (ou não) destes eventos”.
Apagão midiático
Towers comenta que é difícil dizer como um apagão midiático afetaria o impacto contagioso de um evento de assassinato em massa. “Não temos como saber agora, porque não há referência”, afirma Towers. E isso se dá porque a mídia costuma dar cobertura em massa para essas tragédias. “O problema é que temos uma sede quase obscena em ler essas histórias, e é isso que as motiva”, disse Towers.
Uma explicação alternativa é que o público tem um interesse legítimo e natural em ler essas notícias. No caso de Orlando, por exemplo, o massacre envolve temas como terrorismo, crimes de ódio contra o público LGBT e a campanha presidencial.
A cobertura, em sua totalidade, é pensada para capturar a imagem completa. Através dela, nunca se perde de vista as dimensões dessa tragédia humana sinistra
Emissoras da TV a cabo vêm cobrindo a história de Orlando sem parar desde que a notícia chegou na madrugada de domingo. Exemplo de manchetes: “FBI EXAMINA AS ORIGENS DO TERRORISTA” (Fox News), “FBI: O ATIRADOR ‘ALTAMENTE CONFIANTE’ HAVIA SE RADICALIZADO POR CONTA PRÓPRIA” (CNN), “49 VÍTIMAS E ATIRADOR MORTOS EM ATENTADO TERRORISTA” (MSNBC).
Essas chamadas podem muito bem estar refletindo os esforços televisivos em evitar glorificar o nome de Omar Mateen. Porém, para falar a verdade, quando se dá cobertura 24 horas por dia do atentado terrorista deste homem, será que importa se você mostra ou não seu nome e imagem? Será que a temida glorificação já não está acontecendo só pela virtude da discussão interminável e da dissecação do seu ato criminoso?
Muito trabalho a ser feito
Se a omissão do nome e da imagem fizerem alguns âncoras e produtores de destaque se sentirem melhor em relação ao seu trabalho, então tudo bem. É possível, porém, que essa tendência à omissão possa acabar suplantando o zelo das organizações jornalísticas em documentar as vidas desses criminosos. E isso seria um grande problema.
Diz Baron: “Numa história de proporções tão trágicas quanto esta, há muito trabalho a ser feito pelos jornalistas. Nós temos nos concentrado de forma intensa nas vítimas desse ato horroroso de violência. Suas histórias e a dor de seus familiares e amigos são mais importantes do que qualquer coisa. Há outras histórias que precisam de cobertura também. Devemos investigar como e por que isso aconteceu – se, por exemplo, houve sinais de aviso que deveriam ter recebido maior atenção. Devemos explorar quem comete um ato horrível como esse. E devemos avaliar as consequências dentro do reino das políticas públicas. A cobertura, em sua totalidade, é pensada para capturar a imagem completa. Através dela, nunca se perde de vista as dimensões dessa tragédia humana sinistra”.
*Erik Wemple escreve para o Erik Wemple Blog, no qual relata e opina sobre organizações midiáticas de todos os tipos.
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