Ao olhar a fotografia de Bill Clegg que estampa a orelha de seu primeiro livro, Retrato de um Viciado Quando Jovem, a primeira reação é imaginar que a história narrada no romance não é a dele, mas sim de outra pessoa, ou mesmo de um personagem fictício. Bonito, elegante e de traços fortes, Clegg passa longe de corresponder ao estereótipo do usuário de crack ao que estamos familiarizados.
Isso porque Clegg não se encaixa em um estereótipo, mas em uma estatística crescente e assustadora: a consolidação do crack como uma droga comum entre as classes mais altas da sociedade. Agente literário e figura reconhecida entre a cena de escritores nova-iorquinos, Bill Clegg era considerado um prodígio em sua área de atuação. Em pouco anos, perdeu tudo para o vício: seus clientes, seu apartamento, seu namorado e sua sanidade mental.
No retrato que faz de sua derrocada, Clegg narra em mínimos detalhes os dois piores meses de sua vida, nos quais gastou US$ 70 mil em pedras de crack, garrafas de vodca e quartos de hotéis elegantes, que ele dividia com figuras desconhecidas de taxistas viciados a garotos de programa. Durante essas semanas, ele não lembra de ter se alimentado e especula ter dormido não mais que seis horas.
Tudo isso é narrado em parágrafos curtos, objetivos, separados por espaços em branco, como se piscassem flashes de sua memória poética decadente. Em meio à intensa paranoia que o acometeu nesses dois meses e às descrições claustrofóbicas e nauseantes de suas maratonas de cachimbo, tais espaços acabam servindo como um respiro para o leitor ler o livro em uma sentada pode ter um efeito narcótico.
Em meio ao frenesi de sua rotina de viciado, Clegg abre espaço para capítulos que resgatam episódios perturbadores de sua infância, que servem como uma tentativa de compreender seu comportamento autodestrutivo. Quando criança, Clegg tinha fobia de urinar e passava longas horas no banheiro, em um ritual que resultava em muita dor. Fisicamente não havia nada de errado com ele, diziam os médicos, o que seu pai repetia à exaustão, inclusive diante de outros familiares. Clegg sentia-se inadequado desde que se entende por gente.
Ainda na tentativa de analisar seu vício, o escritor traça um histórico de suas experiências com bebidas e drogas: uma garrafa de uísque roubada do armário do pai quando criança, carreiras de speed inaladas aos 15 anos, maconha em doses diárias da universidade até os trinta e poucos, até a primeira experiência com o crack. A primeira vez que queimou as laterais dos dedos com o calor de um cachimbo de vidro foi na companhia de um rico advogado de sua cidade natal, que também o seduziu.
Talvez o que diferencie Retrato de um Viciado Quando Jovem de outros livros que tratam sobre o vício em drogas Confissões de um Comedor de Ópio, do escritor inglês Thomas de Quincey (17851859); Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída, dos jornalistas Kai Hermann e Horst Rieck; e Trainspotting, de Irvine Welsh seja a honestidade e a ausência de glamour nos relatos de Clegg. Ele também é o primeiro a revelar as inúmeras idiossincrasias de um viciado em crack: não importa quanto dinheiro possuam, todos acabam as noites de quatro, no chão, catando possíveis migalhas caídas dos cachimbos.
Serviço
Retrato de um Viciado Quando Jovem, de Bill Clegg. Tradução de Julia Romeu. Companhia das Letras, 216 págs., R$ 41.
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