
Pela sua obra, descobre-se o precipício que há por trás do balbuciar cotidiano. Seus textos entram nos espaços fechados da opressão foi por essas poucas palavras que a Academia Sueca justificou a escolha do dramaturgo britânico Harold Pinter como ganhador do Nobel de Literatura de 2005, decisão que então surpreendeu parte do mundo acadêmico. Afinal, aqueles que acreditam no poder da palavra aplaudiram de pé a decisão. Adoentado, Pinter não foi receber o prêmio. E, no último dia 24, ele morreu, aos 78 anos, em decorrência de um câncer de fígado diagnosticado em 2002.
A notícia foi dada no dia seguinte por sua segunda mulher, a historiadora Antonia Fraser. "Ele foi uma grande pessoa e foi um privilégio viver com ele durante 33 anos. Nunca será esquecido", afirmou Antonia em uma breve declaração divulgada pelo jornal The Guardian em seu site. A doença já havia impedido o dramaturgo de ir à posse como doutor honoris causa na Central School of Speech and Drama de Londres, neste mês.
Um dos raros autores atuais que mantinha um declarado comprometimento político, Pinter se dedicou nos últimos anos a disparar críticas ácidas à Guerra do Iraque, na qual o Reino Unido foi fiel seguidor da administração de George W. Bush. Ele chegou a escrever que o então primeiro-ministro britânico Tony Blair era um "criminoso de guerra" e que os Estados Unidos são um país "dirigido por um bando de delinquentes, seguidores de nazi-fascistas".
Irrequieto quando o assunto era direitos humanos, ele se reerguia da fraqueza provocada pela doença, como em 2007, quando se juntou aos mais de 9,2 mil intelectuais do mundo inteiro que assinaram uma declaração exigindo do governo americano o respeito à soberania de Cuba.
Atitudes condizentes com sua trajetória Pinter foi um dos mais destacados representantes da chamada geração Angry Young Men ("Jovens Irados"), na qual se enquadravam também John Osborne e Arnold Wesker, autores cuja obra sempre foi marcada pela preocupação com a relação de poder entre o verdugo e a vítima, o torturador e o torturado, o senhor e seu escravo.
E, como arma, sempre utilizou a palavra, elegendo o teatro como sua principal trincheira. Nascido em 10 de outubro de 1930, em Londres, Pinter estudou na Real Academia de Arte Dramática. Em 1949, se negou a prestar o serviço militar. Ao longo de toda sua carreira manteve uma postura de compromisso a favor dos direitos humanos e contra a guerra, que se tornou notável a partir do golpe de Estado que, em 1973, derrubou Salvador Allende no Chile. Algumas vezes, suas posturas políticas geraram polêmicas, como quando se uniu ao Comitê de Defesa de Slobodan Milosevic após a intervenção militar da Otan em Kosovo.
Seu primeiro trabalho profissional foi na BBC, chamado Focus on Football Polls, enquanto a primeira obra teatral, O Quarto, foi escrita em apenas quatro dias de 1957, quando ainda atuava em teatros ingleses. Ali, já estão presentes alguns dos elementos básicos de sua estética: a ameaça, enquanto impulso da ação cênica, e o quarto, enquanto palco, onde o teatro intimista burguês sofre uma invasão fulminante. A peça está em cartaz em São Paulo.
Pinter pode ser considerado o precursor da geração teatral chamada na Inglaterra de "Renascentista do Teatro". Suas obras foram traduzidas e representadas em vários países. Entre sua ampla produção teatral, se destacam The Birthday Party (1957) e O Zelador (1959), um de seus maiores sucessos no Brasil, foi montado por Selton Melo, que ficou quase cinco anos em cartaz. Também se destacam The Dwarfs (1963), The Collection (1962), The Lover (1963), A Volta ao Lar (1965), Silence (1969), Old Times (1971) e Landscape (1969).
Trabalhou também como ator e escreveu para o cinema, mesmo considerando Hollywood um maldito lugar extraordinário foi roteirista de Um Jogo de Vida e Morte (2007), refilmagem de Trama Diabólica (1972), dirigido por Kenneth Branagh.
Em 2002, ele revelou que lutava contra um câncer e, em 2005, anunciou que estava deixando sua carreira de escritor teatral para concentrar suas energias na política e, eventualmente, na poesia. "Escrevi 29 peças e considero isso suficiente", disse.



