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“As Três Irmãs”, de Florianópolis. | Andréa Rêgo Barros/Divulgação
“As Três Irmãs”, de Florianópolis.| Foto: Andréa Rêgo Barros/Divulgação

O festival Palco Giratório, do Sesc, trouxe a Curitiba neste ano várias opções de espetáculos aparentemente infantis, mas que revelam um conteúdo difícil de digerir característico das melhores produções adultas.

“Plural”, da companhia goiana Nu Escuro, foi criado a partir das memórias de mães de três integrantes, naturais do meio rural. O que poderia soar de início como reminiscências pueris, simplórias, esconde duras verdades da convivência em família. A preferência de um filho ante outro, a discriminação do mais fraco, a vulnerabilidade social de crianças, mulheres, viúvas e idosos, a ilusão da vida melhor na cidade grande, a exploração infantil e o pouco interesse na escolarização dos filhos. Ufa, temas pesados, mas nada disso é dito de forma pedante.

“Plural”, de Goiânia.Divulgação

Pelo contrário, a encenação é muito habilidosa e utiliza diversos recursos artesanais que encantam. A linguagem do teatro de bonecos é amplificada pela profusão de cenários, criados na hora – bastando abrir uma casa de botão ou desgrudar um velcro. Maria, a protagonista, é feita de crochê.

Em meio ao relato, projeções muito bem “recortadas” lembram os antigos slides, acrescentando uma estética rica e bem casada aos áudios com entrevistas verdadeiras concedidas pelas senhoras-tema.

A peça seria uma franca candidata a fazer sucesso durante o próximo Fringe, se a companhia conseguisse apoio para vir de tão longe.

Tchékhov

Dificilmente alguém terá contado uma trama de Anton Tchékhov em linguagem de palhaço com um resultado tão feliz. “Feliz” talvez não seja a melhor palavra em se tratando desse autor. Aparentemente feliz.

O fato é que o grupo Traço, de Florianópolis, consegue fazer a adaptação de “As Três Irmãs” nessa toada, a partir de pesquisa da diretora Marianne Consentino.

No enredo, três russas, órfãs, rememoram os bons tempos quando a mãe era viva e moravam em Moscou, e os tempos mais agitados quando o pai ainda vivia. A narrativa começa um ano após sua morte, num dia de festa pelo onomástico da mais nova.

A agitação comum a uma casa tocada por mulheres aos poucos dá lugar à melancolia decantada de Tchékhov. Fala de expectativas de felicidade antevistas sempre no futuro, nunca alcançadas.

No ritmo da comédia trazido pela companhia catarinense, o público é absorvido para dentro da encenação de forma quase hipnótica. Com suas falas direcionadas a um ou outro espectador, as três atrizes, únicas em cena além de um trio musical, conquistam pelo olhar os demais personagens de que precisam para compor os momentos de reunião. E são membros do enredo importantes, sem os quais a peça não anda – mas elas conseguem atrair gente ao palco com uma sedução nada impositiva.

O contraste entre as falas sobre o sentido da vida e da morte em corpos vestidos para a comédia é evidente e provoca risos frequentes – mas daquele riso nervoso de quem intui estar numa conversa séria.

Muitas outras escolhas, simples e diretas, bem resolvidas e trabalhadas, constroem a beleza dessa versão. Uma delas é situar o “Olimpo” almejada e nunca alcançado numa imaginária “Winston”, e não na tão simbólica Moscou.

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