É lógico. Quem vai a uma banca de revistas no Brasil e compra a revista Set, quer ler sobre cinema. Aqueles que preferem a Quatro Rodas, têm interesse em carros. Muitos compram a Playboy por causa das entrevistas (o.k., nem sempre).
O número um da Piauí (Editora Alvinegra, 68 págs., R$ 7,90) acabou de chegar as bancas, mas é difícil definir o gosto do seu leitor. Lançada durante a 4.ª Festa Literária Internacional de Parati, em julho passado, a publicação tem como idealizador o documentarista João Moreira Salles (Notícias de uma Guerra Particular), acompanhado de um grupo estrelar de jornalistas, escritores e artistas.
A revista saiu com 68 páginas, capa do cartunista Angeli e o formato gigante, 26,4 cm x 34,5 cm, quase o dobro do tamanho tradicional de uma revista (como das três citadas no início deste texto). Com essas medidas e impressa em papel pólen, seu visual lembra um pouco o da Caros Amigos. No conteúdo, porém, as duas não poderiam ser mais diferentes.
Na verdade, Piauí não se assemelha a nada existente em banca no Brasil. No mundo, o horizonte é o mesmo de várias outras publicações: a lendária The New Yorker. Salles, em entrevista ao Caderno G durante a Flip, disse que citar a revista nova-iorquina como referência já soava pretensioso. Ainda assim, não se pode evitar um fato: a Piauí (grafada com letra minúscula em todas as referências que faz a si mesma ao longo da primeira edição) procura seguir a tradição de reportagem celebrizado no mundo pela redação da New Yorker, onde saíram peças célebres como Hiroshima, de John Hersey, e, mais recentemente, a revelação das torturas impostas por soldados americanos a prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib um furo internacional de Seymour Hersh.
O leitor de Piauí é, enfim, alguém eclético em relação a temas, mas interessado em reportagens longas e bem apuradas. Assim, é capaz de ler sobre a vida de uma funcionária de telemarketing (texto de Vanessa Barbara) com o mesmo interesse que confere as informações levantadas por Silvio Ferraz sobre o seqüestro do engenheiro brasileiro João Vasconcellos Júnior no Iraque (ele continua desaparecido quase um ano depois).
A extensão e qualidade dos textos dão à Piauí uma qualidade literária, intercalando textos de ficção como o inédito "Miriam", em que Rubem Fonseca assume uma narradora feminina aos de não-ficção. Estes são maioria e retratam desde o reencontro de Ivan Lessa com o Rio de Janeiro e com o amigo Jaguar até o perfil do estilista Guilherme Guimarães, por Danuza Leão.
Por não se deixarem pautar pelos assuntos mais atuais e corriqueiros da mídia, os autores "piauienses" (por assim dizer) podem e devem pautar o público e a imprensa, absorvida pelo volume avassalador de notícias diárias.
A revista tem ainda algumas seções fixas. "Diário" deve trazer, a cada número, as experiências pessoais de alguém (Cecília Gianetti inaugura o espaço com "as aventuras de uma jovem brasileira em Nova Iorque"). "Ensaio" tem o título auto-explicativo e começa com Roberto Pompeu de Toledo construindo uma genealogia sobre o papagaio. Há até um "Horóscopo" bem-humorado e ficcional, anunciando "um mês difícil para pessoas que acreditam em horóscopo".
Poesia, fotografias, quadrinhos e cartuns também ganham espaço nas páginas que pretendem, nas palavras de Salles, adotar os órfãos de um jornalismo sem prazo de validade.
Bastidores
O nome Piauí foi idéia de João Moreira Salles. Ele diz que a escolha não tem outra explicação a não ser a sonoridade da palavra.
Publicação mensal, o número um saiu com tiragem de 40 mil exemplares.
Segundo a assessoria da Piauí, a revista lançada há 15 dias esgotou o lote inicial distribuído no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O serviço da primeira edição agradece "a confiança de seus anunciantes fundadores" e lista oito empresas, incluindo dois bancos, uma marca de bebida, uma montadora de carros e uma telefônica.
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