Dos gadgets cada vez menores à obsessão pela magreza, vivemos hoje na civilização do leve. Essa é a tese central de “Da leveza: Rumo a uma Civilização sem Peso” (Amarilys Editora), o novo livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky.
Em visita ao país para participar do “Ciclo ato criador — Outros possíveis”, no início do mês, Lipovetsky conversou com a reportagem sobre as contradições do mundo contemporâneo — do avanço tecnológico à eleição de Donald Trump.
A leveza é possível com Donald Trump na presidência dos Estados Unidos?
O paradoxo do mundo da leveza é que ele produz um mundo cada vez mais pesado. Por exemplo, quanto mais os políticos tentam parecer relaxados, descontraídos, mais os cidadãos os rejeitam. Para entender a vitória de Trump, é preciso levar em conta a rejeição às elites políticas. Isso é um fenômeno em vários países. O momento não é nada bom. Os ingleses votaram pelo Brexit, partidos populistas crescem na Europa. A democracia não está ameaçada, mas fragilizada.
O momento não é nada bom. Os ingleses votaram pelo Brexit, partidos populistas crescem na Europa. A democracia não está ameaçada, mas fragilizada.
Da leveza: rumo a uma civilização sem peso
No seu livro, o senhor avalia que a busca pela leveza se tornou uma pesada obsessão. Esse é um círculo vicioso?
Todo o universo da leveza é, para as pessoas, cada vez menos leve. Por isso eu falo em civilização do leve, que tem só uma aparência de leveza. Nas nossas democracias, vemos a multiplicação dos pós-materialismos, como o budismo, o zen, a meditação. Tudo para nos ajudar a respirar um pouco. Pagamos o preço do individualismo, do estresse, da ansiedade. Ao mesmo tempo, as pessoas veem vídeos, ouvem música, saem de férias, viajam. É um paradoxo. Eu acredito que nós estamos vivendo uma nova cultura democrática. Eu pertenço à geração da década de 1960 que tinha uma retórica revolucionária, que não era leve. Não é mais esse o espírito do tempo. As pessoas não sonham mais com revolução, elas sonham com uma existência mais leve, mais equilibrada, menos conflituosa. Isso é infinitamente mais difícil porque se trata da busca eterna pela felicidade. E a solução para a felicidade nós não temos.
As pessoas não sonham mais com revolução, elas sonham com uma existência mais leve, mais equilibrada, menos conflituosa. Isso é infinitamente mais difícil porque se trata da busca eterna pela felicidade.
A obsessão pela leveza é um desdobramento do hiperconsumismo e do hiperindividualismo, que o senhor já abordou em livros anteriores?
A obsessão pela leveza é uma manifestação desses fenômenos, mas traz uma dimensão nova. Nós vivemos em um mundo tecnologicamente leve. Nos últimos 50 anos, desenvolvemos uma série de técnicas que fizeram com que a leveza não fosse mais um sonho. Hoje, você tem a possibilidade de viajar o mundo inteiro em um celular que cabe no bolso, muito mais potente do que os primeiros computadores que pesavam uma tonelada. É inacreditável! A civilização do leve conjuga três lógicas: a tecnocientífica, a capitalista e a individualista. E estamos apenas no início. O poder hoje está em dominar os menores elementos: a inteligência artificial, a engenharia genética, isso é o ultraleve. Antes, o poder era pesado. Castelos, ouro, canhões. Hoje, as maiores potências vendem bytes. A civilização do leve valoriza o prazer, o consumo, o lazer e o entretenimento. Precisamos dessa leveza, mas ela precisa ter limites. É preciso dar às pessoas ferramentas para que elas construam uma leveza rica, não uma leveza pobre. Passar três horas no shopping é leve, mas é pobre. Uma hora, a leveza vira vazio.
Precisamos dessa leveza, mas ela precisa ter limites. É preciso dar às pessoas ferramentas para que elas construam uma leveza rica, não uma leveza pobre. Passar três horas no shopping é leve, mas é pobre. Uma hora, a leveza vira vazio.
É possível estabelecer uma relação entre a civilização do leve e o que você chama de “capitalismo artista”?
O capitalismo industrial tem na produção o seu motor. Nessa época, a produção é separada de outras manifestações, como a arte e a moda. A fábrica é a fábrica, a arte é a arte. Cada universo é bem separado. A partir dos anos 1950, o consumo passa a ser o elemento mais dinâmico. Assistimos, então, à hibridação desses universos antes separados, o que dá uma leveza ao que antes era pesado. Produção e criatividade se misturam, criando o que chamo de capitalismo artista. A Apple é o exemplo perfeito desse capitalismo. É a hibridação entre o produto utilitário e o produto criativo.
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