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Dessa vez não tem volta, e Renato vai ter mesmo de passar a sexta-feira, dia do Natal, de plantão. Ele precisa apertar uns botões, soltar outros, pode até beber algumas doses de café, levantar e voltar para a cadeira. Não mais que isso. Poderia até estar ausente, mas tem de cumprir a escala. Aos 43 anos, depende do emprego. E não pode mais voltar para outros lugares, onde e quando era possível fazer o que bem entendesse, na hora que quisesse.

Se eu pudesse retornar para aquela casa, lá onde a minha família morava, mas nem aquela casa nem a minha família existem mais. É a voz de Renato repetindo, agora, na manhã de Natal, o que ele tanto gostaria de fazer. Eu era o mais velho, o primogênito, e você sabe o que é ser o primogênito? Renato pensa, chega um colega de trabalho que não sorri, não diz Feliz Natal, não entrega cumprimento e nem emite som para Renato. Se esse sujeito soubesse como eu era tratado em casa, ele viria até aqui, ficaria de joelhos para mim, quem ele pensa que é? Renato está pensando e tem a impressão de que uma lágrima escorre pela sua face esquerda, mas talvez seja apenas impressão.

Já se passaram três horas, é mais de meio-dia e Renato caminha pelas ruas do Centro, a cidade quase vazia, nenhuma porta comercial aberta e ele está com fome. Há ambulantes logo ali, depois de treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete passos. É um cachorro-quente, prensado, com mais molhos do que vina e pão. E com a lata de refrigerante, é o almoço de Natal de Renato. Em silêncio, ele mastiga lentamente, sorri com os olhos e não diz, mas é como se dissesse Feliz Natal ao sujeito que preparou a sua refeição.

Houve um tempo, quando trabalhar não era preciso, e havia pai, mãe, avós, avôs, tios, tias, primos e primas, Renato tinha tudo. Ele, lembra agora, sempre deixava comida no prato, dizia que não era boa, mas igual àquela nunca mais comeu. Naquele tempo, naqueles almoços, naqueles Natais, todos sorriam, menos Renato. O menino queria estar em outro lugar, não na casa da família, na casa que hoje não existe mais e para onde faria de tudo para voltar. Renato não entende como aquela família sem di­­nheiro sorria, trocava presentes, dava gargalhadas, comia e bebia, e só ele não se entregava, queria estar no futuro, e agora pagaria o dinheiro que fosse para estar pelo menos mais uma vez naquele passado e dar um sorriso para aquela gente.

Renato caminha em direção ao local onde trabalha, é preciso ficar lá, sentado, fazendo pouco ou nada, a sua presença é necessária. Não passa nenhum carro, o sinal está fechado para pedestres e Renato lembra que o seu irmão está vivo. Roberto, o único, além dele, que ainda leva o sobrenome do pai. Roberto, o sujeito com quem Renato nunca conseguiu conversar. Roberto, com quem Renato ia e voltava, de casa para a escola, um na frente, distante do outro, e aos poucos a distância aumentou, demais. Renato nunca abraçou nem beijou Roberto. A porta de entrada do emprego é ali, mas Renato não quer entrar. Melhor seria ir até o seu irmão e falar, eu te amo, cara. Ou perguntar, o que foi feito de nossas vidas? Ou simplesmente dizer Feliz Natal, meu irmão.

Marcio Renato dos Santos é jornalista, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná e integrante da equipe do Caderno G.

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