Há pouco mais de duas semanas, o publicitário Hertes Ivolela abriu uma caixa de sapatos. Dentro estavam guardadas cerca de 80 fotografias velhas. Eram as memórias de uma família: retratos posados em grupo, crianças, idosos, gente andando a cavalo. O dono queria saber se alguma das imagens, danificadas depois de 40 anos guardadas em uma gaveta, poderiam ser recuperadas. Apenas um retrato voltou a revelar os detalhes do rosto de uma jovem sorridente. "O resto, infelizmente, está muito deteriorado", lamentou Ivolela. "O meu trabalho não é desenhar uma nova imagem, mas restaurar uma já existente", completa, revelando sua ética de restaurador.

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Há cinco anos, o publicitário e designer gráfico de formação não suspeitava que viria a atuar no ramo. A fama espalhou-se pelo boca-a-boca, depois que restaurou uma imagem da família de imigrantes alemãs Hohl, tirada em Santa Catarina no final do século 19. Hoje, uma reprodução da fotografia está pendurada atrás do balcão em que Ivolela atende os clientes.

"Aquela ainda era a época dos perfeccionistas", observa, apontando detalhes de composição e elogiando o talento do fotógrafo e da técnica empregada. "Esse retrato tem mais de cem anos, passou por duas enchentes e os seus pigmentos continuam preservados. O equipamento fotográfico usado ainda era muito robusto. Não havia muito controle de luz, e as lentes eram de cristal polido manualmente", explica.

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No tempo em que câmeras embutidas em celulares sequer eram objeto de ficção científica, tirar uma chapa, além da pobreza técnica, também era um evento extraordinário na rotina das pessoas. "As famílias reunidas se enfeitavam, vestiam suas melhores roupas e recebiam a visita do fotógrafo, que poderia passar horas se preparando antes de expor a chapa", conta o restaurador.

Com o uso de equipamento de ponta, transpondo os pigmentos químicos em dados digitais, Ivolela manipula no computador o brilho, o contraste e a saturação das imagens até revelar os detalhes. Emociona-se quando percebe "a personalidade de cada personagem, seu temperamento e o ambiente familiar em que vivia", reflexo de um tempo em que a fotografia era pouco acessível e, por isso mesmo, mais expressiva e menos banalizada. É uma questão de "prazer profissional, aula de História, e reverência aos antepassados".

Para os clientes, o resultado também pode constituir uma grande emoção. Uma delas ficou tão feliz ao rever a imagem restaurada de uma parente, que submeteu outras 500 fotos aos tratos de Ivolela. Era Mercedes Hauer, descendente do comerciante Joseph Hauer, industrial que instalou a luz elétrica em Curitiba, em 1892. Seu acervo familiar, além de registrar o clã, também documenta a história do bairro que levaria o nome da família, a Vila Hauer. "Eu tinha ouvido que era possível restaurar, mas não sabia como. Fiquei muito feliz com os resultados", afirma.

Uma das imagens apresenta um cenário curioso. Um dirigível zeppelin da Alemanha nazista atravessa a paisagem de Curitiba, em 1935, acima da antiga estação ferroviária, ao fundo da Rua Barão do Rio Branco e seu chão recortado por trilhos de bondes, carros e passantes.

Radar

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Há, porém, clientes mais inusitados. Um deles trouxe a cópia de uma multa de trânsito querendo provar que o homem na fotografia tirada pelo radar não era ele. Havia vendido o carro, mas a posse ainda não havia sido transferida para o novo proprietário que, por sua vez, continuou acumulando multas por excesso de velocidade com o veículo. "Eu fiz o que pude. O advogado anexou o trabalho ao processo judicial", comenta o restaurador.

Em outros casos, as pessoas procuram satisfazer seus anseios afetivos. "Um cliente queria uma foto de seus pais juntos, mas a única que tinha mostrava eles separados. Tive de juntar o casal e apagar uma terceira pessoa", relembra Ivolela. O pedido incluía ainda uma mudança no fundo da imagem (que ganhou uma cortina) e realce do chão de madeira.

De acordo com o restaurador, o importante no seu ofício é manter a fidelidade a informações contidas no original. Às vezes, é preciso recorrer às técnicas de desenho para reconstruir pequenos detalhes, como fragmentos do corpo. "Só que há um limite. Se interferimos a ponto de recriar elementos que não sabemos como eram, estamos desenhando e não fazendo restauração", ensina.