Em O Último Minuto, novo romance do escritor e tradutor gaúcho radicado no Rio de Janeiro Marcelo Backes, o futebol é explicado como uma "metáfora formidável" da vida real. Em um de seus melhores insights "metafórico-filosófico-futebolísticos", o esporte é o "esperanto popular, a linguagem universal em que as pessoas podiam aplaudir o preço do bilhete de entrada, e ainda por cima de um concerto do qual inusitadamente compreendiam todas as notas".
Mas é também um universo cujos meandros são pouco conhecidos, daí seu raro protagonismo na literatura. Em seu quarto trabalho como escritor, Backes, que chegou a ser treinador na equipe de um seminário em Cerro Largo, no oeste gaúcho, equacionou a dificuldade na criação de um narrador que entende pouco de futebol.
O livro se estrutura sobre uma espécie de autoanálise de João, o Vermelho nascido Yannick Nasyniack , um ex-treinador de futebol, desde suas origens nos pampas gaúchos até o crime que o levou à prisão; mas a narrativa, em estilo fluido e cativante, chega pelas mãos de um seminarista carioca em missão pastoral no presídio, em uma relação que revela uma narrativa à parte.
"Conhecer o que acontece no futebol profissional, como é o caso do meu treinador [Yannick], é uma coisa difícil", explica Backes, em entrevista por telefone para a Gazeta do Povo. "Por isso, minha grande preocupação foi criar um narrador verossímil."
Passagem
O seminarista, um jovem descendente da aristocracia católica do Rio de Janeiro, cujo perfil vai se desnudando nos esparsos momentos em que aparece como interlocutor no relato de Yannick, também representa uma "passagem" na narrativa de Backes. Pela primeira vez, o narrador se distancia das origens do escritor, nascido em Campina das Missões (RS). "Ele está apenas mediando a fala de alguém que é gaúcho", explica o autor, revelando que seu próximo romance terá um narrador carioca falando apenas sobre o mundo do Rio de Janeiro. "Sem me dar conta, intuitivamente, estou fazendo essa passagem."
O universo das missões gaúchas, no entanto, aparece com força no monólogo divagante de Yannick e dele se desdobra um interessante relato sobre a peculiar saga dos imigrantes russos no Brasil. A vida nas missões, a adaptação à vida em Porto Alegre e posteriormente no Rio de Janeiro, e o choque de seus valores com as transformações aceleradas no país e, naturalmente, no futebol até os dias de hoje são alguns dos caminhos percorridos pelo relato do treinador gaúcho, que só nos momentos finais fala sobre o episódio que o levou à prisão. O personagem fala a partir de um lugar que Backes conhece bem.
"Campina das Missões não aparece registrada como tal na minha ficção, mas é obviamente o lugar do qual eu escrevo", explica o autor. "A gente tem que escrever sobre coisas que a gente conhece. E a infância e adolescência são períodos definitivamente marcantes naquilo que a gente vai se tornar um dia, seja como homem, seja como escritor. Eu escrevo também porque foi nesse mundo que, inclusive, nasceu o escritor. E esse mundo continua me marcando", diz.
Sofrimento
Processo parecido o levou a escolher o futebol como tema. Torcedor do Internacional, Backes, nascido em 1973, explica que não viveu a melhor fase do time.
"Tenho certeza de que também me ocupo do futebol porque sofri muito com ele. Porque a gente só fala e só elabora coisas com as quais a gente sofre", explica o escritor.
"Por causa desse elemento biográfico vinculado diretamente ao sofrimento com o futebol, certamente, é que o futebol acabou virando assunto literário para mim."
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