Acostumados ao conceito de que apenas a língua inglesa é capaz de proporcionar ao indivíduo uma comunicação globalizada, muitos brasileiros talvez não tenham parado para pensar em quais são os limites de seu próprio idioma, a língua portuguesa. Ficariam surpresas ao descobrir que sua língua é parte do cotidiano de outros 200 milhões de indivíduos, de seis diferentes países. É o que mostra o documentário Língua Vidas em Português, primeiro longa-metragem do moçambicano radicado no Brasil Victor Lopes, um verdadeiro mergulho na permanência da língua portuguesa em regiões diversas do globo e na vida de gente das mais diferentes classes e credos, que a utiliza diariamente.
Filmado em quatro continentes e seis países, o documentário, que acaba de chegar às locadoras, trata da diversidade da língua a partir de personagens ilustres e anônimos portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, goesos, guineenses, japoneses e cabo-verdianos. Entrevistas descontraídas dão conta de mostrar a visão que cada um tem do português que fala, desde um vendedor ambulante carioca, ao prêmio Nobel de Literatura, o escritor português José Saramago. "É uma língua que tinha de passar, inevitavelmente, por transformações segundo os lugares onde a falam, as culturas e as influências. Mas isso não terá nada a evidência de que se trata do corpo da língua portuguesa.", analisa o escritor, em um dos trechos do filme.
Além de Saramago, participam do documentário o poeta português Mia Couto, Pedro Ayres Magalhães e Teresa Salgueiro, ambos do grupo musical Madredeus, o sambista Martinho da Vila e o escritor João Ubaldo Ribeiro, responsável por um dos momentos mais divertidos do documentário. A equipe de filmagem o acompanha, numa manhã de sábado, ao seu tradicional passeio por dois botecos do bairro carioca onde mora, locais em que o escritor diz aprender "como vivem as pessoas normais", já que não costuma deixar seu apartamento com muita freqüência. Entre guaranás (o escritor não bebe chope) e cigarros, João Ubaldo conta que foi chamado pelo Congresso Nacional para falar sobre a língua portuguesa, mas recusou a oferta, por se considerar apenas um usuário do idioma, como qualquer outro. Durante trechos da entrevista, Ubaldo ainda demonstra certa preocupação com o futuro da língua falada pelos brasileiros, especialmente pelos jovens, que vêm incorporando influências estrangeiras desnecessárias ao idioma, como o uso recorrente do futuro composto. "Isso é que é gravíssimo. Hoje você ouve, porque nós vamos ir na festa depois, primeiro nós vamos ir no cinema. Isso é o mesmo que we will go, estrutura usada pelos americanos.", alerta.
Costurando os depoimentos dos personagens de maneira sutil, Victor Lopes adentra a fundo o cotidiano de pessoas que fazem questão de utilizar o português, apesar de não ser o idioma mais falado no local em que vivem, como o ilustrador Mário Miranda e o músico e fazendeiro Emiliano Cruz, ambos da aldeia de Goa, na Índia. Há também os brasileiros que vivem no Japão, somando 300 mil pessoas que utilizam a língua portuguesa no país nipônico, representados por um cozinheiro e um garçom brasileiros, funcionários de um restaurante batizado de Acarajé, onde imigrantes se reúnem, matam as saudades da comida de seu país, falam o idioma brasileiro e se divertem com as novidades culturais, no caso, uma coregrafia de axé, de uma das músicas do grupo baiano Terra Samba.
Língua Vida em Português, serve para provar aos mais descrentes que é possível ir muito mais longe do que se imagina com a língua portuguesa, que de acordo com Saramago, é "um corpo espalhado pelo mundo".