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Hanna (Kate Winslet) e Michael (David Kross) vivem um idílio de meias-verdades | Divulgação
Hanna (Kate Winslet) e Michael (David Kross) vivem um idílio de meias-verdades| Foto: Divulgação

Há algo de muito perturbador em O Leitor, longa-metragem de Stephen Daldry (de As Horas), nos cinemas desde a última sexta-feira. Se, na primeira parte, o filme seduz e instiga os sentidos, contando uma bela, ainda que dissonante e efêmera, história de amor e desejo entre um adolescente e uma mulher mais velha, o segundo "movimento" dessa ótima adaptação do livro do escritor alemão Bernhard Schlink reserva ao espectador uma mudança crucial de andamento.

O tom idílico, ainda que algo tenso, da narrativa cede lugar a uma atmosfera angustiante: oito anos se passaram desde que o casal de amantes se viu pela última vez, no fim dos anos 1950. Michael (David Kross) é estudante de Direito. Sua ex-amante, a cobradora de bonde Hanna Schmitz (Kate Winslet, brilhante), que desapareceu sem se despedir, reaparece de forma dramática: é ré num processo contra ex-guardas de campos de concentração que impediram mulheres e crianças judias de escapar de uma igreja em chamas durante o Holocausto.

Assim como o livro de Schlink, o filme de Daldry não se ocupa de discutir ou retratar o extermínio promovido pelo nazismo. Toca, sim, num ponto delicado que não costuma povoar produções de grande visibilidade internacional: a culpa, consciente ou não, dos alemães comuns por ter colaborado ou endossado o regime de Hitler.

A grande qualidade de O Leitor é optar pela sutileza, pelo silêncio, em vez do melodrama. É deixar latente a sensação de que algo de terrível aconteceu e continua a assombrar os personagens. Sem jamais recorrer a obviedades ou clichês.

O amor/paixão/atração entre Michael e Hanna é singular. Ela, uma mulher rude porém atraente, inicia o garoto no amor, primeiro físico, mas não apenas carnal. Em troca, pede que ele leia para ela. Sobretudo clássicos.

A narrativa tanto do filme quanto do livro, no entanto, passa pelo filtro da maturidade de um Michael já adulto (agora vivido por Ralph Fiennes) e corroído por diversos níveis de remorso: por ter se envolvido com uma mulher que colaborou com o Holocausto e por tê-la amado, mesmo sem saber de seu passado; pela incapacidade de tomar qualquer atitude para ajudá-la em um momento crucial do julgamento; por ser alemão e, portanto, ter de carregar o fardo brutal de um genocídio que contou com o consentimento de muitos, possivelmente de seus próprios pais.

Como já fizeram com o romance As Horas, do norte-americano Michael Cunningham, o diretor Stephen Daldry e o roteirista David Hare conseguem, por meio de uma história bem costurada, e não-linear, envolver o espectador, reservando-lhe mistérios e surpresas. E também fazê-lo sentir (e refletir sobre) a imensa dor que permeia as vidas de Michael e Hanna. Ao contrário do fraco Foi Apenas um Sonho, também estrelado por Kate Winslet, que finge ser dor o que é artifício, simulação.

O Leitor está indicado ao Oscar em cinco categorias: melhor filme, direção, atriz, roteiro adaptado e fotografia. GGGG

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