Entre cantoras que se parecem cada vez mais umas com as outras, despontou em 2010 uma baiana criada em Recife (PE), dona de um sotaque curioso para os ouvidos paranaenses. "Eu sou uma pessoa má/ Eu menti pra você", canta Karina Burh na viciante faixa que abre e batiza seu álbum de estreia, Eu Menti pra Você (Tratore).
A pronúncia do "ti" seco é marcante, bem diferente do "mentchi" que se ouve aqui pelo Sul. Por essas particularidades fonéticas talvez a moça cause algum estranhamento à primeira audição. Mas basta deixar o disco rodar um pouco mais, que nem baiano nem pernambucano, nem mineiro nem paranaense, conseguirá parar de ouvir e repetir suas canções irreverentes.
O som de Karina não é regionalista, ainda que se impregne do colorido local. Ela não canta sambas nem baladas pop premeditadas como sucessos radiofônicos, por mais que soem redondinhas nas rádios.
Tampouco só amores, embora relações bastante realistas inspirem suas composições. Suas canções são graciosas sem qualquer pingo de ingenuidade. E o timbre agudo está longe de remeter a Marisa Monte. Há de se dizer: é a voz feminina mais original a surgir na música popular brasileira recente.
Motivo mais do que suficiente para que a cantora e percussionista tenha sido eleita a revelação musical do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), e tenha conquistado o patrocínio da Natura para garantir o lançamento do seu segundo disco de canções inéditas e alguns shows no próximo ano, pelo Edital Nacional de 2010.
Provocativa
Karina compõe com liberdade, é descolada e inteligente. Assina como diretora artística o próprio disco, do qual participam o ex-Ira Edgar Scandurra e Fernanda Catatau, do Cidadão Instigado, nas guitarras. A tal "Eu Menti para Você" destila um leve sadismo sobre a culpa cristã, para questionar se o outro será capaz de aceitar seu amor tal como ele é. A primeira de um punhado de canções provocativas e bem-humoradas que desestabilizam pela ironia.
"Vira Pó" é uma insólita e empolgante canção sobre o fim ("em todo mundo dá cupim/ vira pó só"). "Nassíria e Najaf" tem o refrão mais poderoso: "Dorme logo antes que você morra." Se uma guerra a impressionou a ponto de compor essa sombria "canção de ninar" para crianças de Bagdá, outra marcou a história de vida do avô alemão que a inspirou de algum modo a escrever "Telekphonen", um pop eletrônico cantado em alemão com a participação da atriz Juliane Elting, e "Soldat", esbravejo sobre o conflito humano encorpado pela guitarra distorcida de Catatau.
Menti pra Você traz também uma vibração descontraída em várias canções, como "Bolha de Plástico" ("Eu quero passar a tarde estourando plástico bolha"). Pra não falar da alfinetada certeira (e divertida) nos programas de incentivo cultural na funkeada "Ciranda do Incentivo", ao som de seu tamborzinho.
Karina faz o sofisticado com o simples e sabe usar a voz, que não é vozeirão. Longe de ser novata, ela foi uma das criadoras do grupo Comadre Fulozinha, ao lado de Alessandra Leão (que também lançou disco este ano), no qual preserva tradições musicais como o maracatu e o baião. Pouco disseminado Brasil afora, mas forte no Nordeste.
Num show do Comadre, aliás, Karina chamou a atenção de Zé Celso Martinez Correa. O diretor do Teatro Oficina a convidou para atuar em Bacante e ela ficou cinco anos com o grupo teatral. GGGG
Serviço: Eu Menti pra Você. Karina Buhr. Tratore. R$ 24,90.
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