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Muggiati e Pellanda na livraria Argumento, no Rio: lançamento de prestígio | Lúcia Bettencourt/Divulgação
Muggiati e Pellanda na livraria Argumento, no Rio: lançamento de prestígio| Foto: Lúcia Bettencourt/Divulgação

"Com a abertura de livrarias grandes em shoppings a partir de 2005, as livrarias de bairro fecharam e o público comprador de livros mudou. As classes B e C passaram a comprar mais e isso alterou a demanda: querem títulos mais comerciais. Daí as editoras mudarem suas apostas também. Isso aconteceu nos anos 90 nos Estados Unidos e está acontecendo no Brasil." Esse diktat foi extraído de um Curso de Marketing de Livros na Estação das Letras, Rio de Janeiro, na primeira semana de janeiro de 2014. Mas o nosso impávido Luís Henrique Pellanda não está nem aí para a mercadologia literária. Na noite de terça-feira, 25, lançou no Rio de Janeiro sua nova antologia de crônicas, Asa de Sereia, publicada pela Arquipélago Editorial, de Porto Alegre. Fui encontrá-lo na sólida e lendária livraria-de-bairro Argumento, do Leblon — fundada pelo grande democrata Fernando Gasparian (1930-2006) — que surgiu em 1978 vendendo obras de autores proibidos pela ditadura. Nos anos 90, a Argumento deu régua e compasso às livrarias de shopping (vai um rolezinho aí?), com a ideia de aliar a leitura e o consumo de livros ao consumo de CDs, DVDs, gastronomia, e eventos.

Livro na mão, encontro Pellanda no Café Severino, o simpático bistrô da Argumento. Reconhece-me na hora. "Muggiati com dois Gs e um T, não é?" Recebo o primeiro autógrafo da noite. Fico sabendo também que fui o primeiro a resenhar seu livro de contos O Macaco Ornamental (2009). Citei então Pellanda: "Quando tudo for utensílio, digo, o próprio homem será apenas um enfeite do mundo. Seu último adorno desnecessário. Uma espécie ornamental de macaco." E perguntei: "Mas já não o somos?"

Ornamentais ou não, mas sempre macacos finíssimos, embarcamos no ritual da dos autógrafos. A segunda dedicatória é para uma fã, Fabiana, ansiosa por saber a história por trás da Velha em viscose de onça. Pellanda explica: "A ferida brava que a consumia era outra." Diante do meu ar curioso, indica: "Página 147." A memória do moço é espetacular. Cordial e falante, não é o curitibano fechado que todos denunciam. Também não sou, depois de 50 anos no Rio e não o é a recente ex-curitibana Kassandra Speltri, que faz teatro e só anda de bicicleta. K. fica a noite toda agarrada ao selim com o pequeno galhardete de pano em que ela mesma bordou UM CARRO A MENOS. Explica: "O selim é removível. Se bobear, levam..." Querem carioquice maior?

Cena

Escritores despontam: Lúcia Bettencourt, autora de A Secretária de Borges; Ana Tereza Jardim (A Cidade em Fuga), Paulo Scott (Ithaca Road), Ronaldo Wrobel (Traduzindo Hannah), Sérgio Rodrigues que acaba de lançar um elogiado romance sobre futebol, O Drible. Jornalistas também vêm incensar Pellanda: Álvaro Costa e Silva (o Marechal); o blogueiro Luz Nadal; Leonardo Cazes, autor de recente matéria de capa do suplemento Prosa&Verso, de O Globo, exaltando a cena literária da Curitiba atual. Cazes cita Pellanda:

"O curitibano não é um cara expansivo, corporalmente, mesmo o Leminski não era. Não dançamos, não temos festas populares nas ruas. O clima sempre nos manteve dentro de casa. A maneira mais fácil de um jovem se expressar é escrevendo", argumenta o cronista, que vê no momento atual a resposta a uma "ressaca" sofrida por uma série de perdas, entre 2003 e 2010.

Invocados, os fantasmas de Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier e Wilson Bueno não fazem cerimônia e adentram o recinto. Um espectro ronda por ali também, o espectro muito vivo do Vampiro de Curitiba. Sou o único na roda que conheceu Dalton Trevisan em carne e osso e garanto a todos que ele existe, sim. Concordamos: Dalton é tudo. Se existe tanto tesão pelas letras em Curitiba, o principal culpado é ele. Até escritor de fora veio respirar os ares do Mestre: o catarinense Cristovão Tezza e o carioca José Castello são bons exemplos. Caetano Galindo mora quase colado a ele. Sem medo de soar ufanista, proclama: "O maior escritor do Brasil tem uma obra de uma consistência e de um nível de qualidade que só se renovam e só se refinam."

Pellanda parece feliz com o que faz. Uma série de viagens o levará a oficinas para os cantos mais remotos do país, Acre e Tocantins incluídos. Explica a transição do conto para a crônica. "O conto a gente publica, morre nas páginas. A crônica vive, cresce, é comentada, tem um retorno incrível, dá um feedback ao autor." O cronista é um poeta-repórter, ligado em tudo o que se passa ao seu redor. Tem ainda a escrita lúdica, o lado miniaturista e fugaz da crônica. Talvez Pellanda almeje aquela perfeição daltônica, insinuada na epígrafe do seu livro, tirada de Kafka: "As sereias entretanto têm uma arma ainda mais terrível que o canto: o seu silêncio."

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