Domingos Pellegrini, autor de Passeando por Paulo Leminski; Alice Ruiz, poeta e viúva de Paulo Leminski| Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina; André Rodrigues/ Gazeta do Povo

Biografias

STF convoca audiência pública para debater assunto

Das agências

A polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas fez com que a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia convocasse para os dias 21 e 22 de novembro uma audiência pública para debater o assunto.

A questão é discutida na ação direta de inconstitucionalidade impetrada em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel).

Nos últimos dias, o assunto divide a classe artística, após declaração, há pouco mais de uma semana, do grupo Procure Saber, formado por Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento e Erasmo Carlos. Eles são a favor da exigência de autorização prévia para a publicação de biografias, e defendem pagamento a biografados ou seus herdeiros.

A Anel, por sua vez, questiona a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil (que estabelecem a necessidade de permissão dos biografados ou herdeiros), com o argumento de que a norma contraria a liberdade de expressão e de informação. A associação pede que o Supremo declare que não é preciso consentimento.

Segundo a ministra, relatora do processo, a audiência é necessária para subsidiar a decisão da Corte, pois o tema ultrapassou interesses específicos da Anel, e repercutiu em "valores fundamentais da sociedade brasileira."

Na última segunda-feira, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, afirmou que é contra a retirada de circulação de biografias não autorizadas, mas afirmou que autores que provocarem danos ao biografado devem ser condenados com pagamento de "indenizações pesadas."

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O escritor Domingos Pellegri­ni enviou ontem, nas primeiras horas da manhã, a muitos de seus contatos no mundo literário e jornalístico os originais do livro Passeando por Paulo Leminski, obra que, segundo ele, não pôde publicar, pela editora Record, por não ter conseguido a autorização dos herdeiros do poeta curitibano, que morreu em 1989, aos 44 anos. Ao longo de suas cerca de 160 páginas, o volume relata, em detalhes, momentos compartilhados pelos dois autores, em seus diversos encontros, e também traz considerações de Pellegrini tanto a respeito da produção literária de Leminski quanto da pessoa e do intelectual que ele foi em sua breve existência.

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O projeto de Passeando por Paulo Leminski teve como impulso o convite para a produção de outra obra, feito pela editora Nossa Cultura, em junho deste ano, quando a antologia Toda Poesia, editada pela Companhia das Letras, já havia se tornado um fenômeno de vendas.

Pellegrini conta que o dono da empresa, Samuel Ramos Lago, o convidou para escrever uma biografia do poeta, sob a condição de que os herdeiros tivessem o poder de aprovação do texto e dividissem com Pellegrini os direitos autorais. A família estaria desgostosa com outra obra biográfica, Paulo Leminski – O Bandido Que Sabia Latim, de Toninho Vaz, lançada pela editora Record, e agora impedida pelos familiares de ser reeditada.

"Na hora, fiquei entusiasmado com a ideia e aceitei, mas, depois de pensar um tempo, cheguei à conclusão de que a empreitada resultaria em um livro chapa branca, tudo o que o Leminski não era e combatia. Então, decidi recusar a proposta."

Dessa recusa nasceu a ideia de narrar, em primeira pessoa, um livro bem mais pessoal, que falasse das experiências vivenciadas por Pellegrini com Leminski – os dois foram amigos. "Memórias de minha vivência com ele passaram a me assaltar de tal forma que senti o dever de obedecer ao apelo criativo." O londrinense, que no livro se identifica como Pé Vermelho, conta que os dois estiveram juntos diversas vezes. "Em Londrina, em Curitiba, quando passávamos dias inteiros conversando nas casas dele, e em eventos literários Brasil afora."

A editora Record interessou-se em publicar Passeando por Paulo Leminski, mas sob a condição de ter o consentimento dos herdeiros do poeta. Segundo o escritor, vários e-mails foram enviados à viúva de Leminski, a poeta Alice Ruiz, que permaneceram sem resposta até quando Pellegrini comunicou que iria colocar o livro na internet. Depois disso, veio a recusa definitiva. "Propunham alterações que resultariam num livro ‘chapa branca’."

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Em mensagem enviada por e-mail a Pellegrini, à qual a reportagem da Gazeta do Povo teve acesso, Alice Ruiz escreveu, em 5 de outubro, que, embora o livro de Pellegrini "tenha uma leitura importante do ‘fazer poético’ do Paulo, jogando uma luz esclarecedora sobre vários aspectos da obra", e seja "amoroso em vários pontos", Passeando por Paulo Leminski apresentaria inúmeros problemas, do ponto de vista da família.

"A ênfase no álcool, sua leitura de uma ‘precariedade’ de bens em nossa casa (você nunca ouviu falar em contracultura?), as observações exageradas sobre a ‘falta de banho’, que corresponde a um período de maiores excessos, mas que foi superada", escreveu a poeta no e-mail.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Alice afirma que o livro, assim como a biografia de Toninho Vaz, serve para construir uma imagem muito negativa de Leminski, muito distante da realidade. Essa visão do poeta estaria, escreve Alice em sua mensagem sobre Passeando por Paulo Leminski, em contraponto à de Pellegrini, que aparece [no livro] "como o interlocutor por excelência e cheio das qualidades que supostamente faltavam a ele". "Havia entre eles, além da amizade, uma batalha de egos", disse Alice, ao telefone.

Para Pellegrini, que ontem enviou uma carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal expondo o caso, Passeando por Paulo Leminski não é exatamente uma biografia, mas um misto de suas memórias com Leminski, e "observações de psicologia, sociologia, crítica literária e clínica médica". Rebatendo as ressalvas feitas pela família do poeta, sobre a exagerada ênfase dada ao alcoolismo de Leminski, Pellegrini diz que analisa o problema com informações médicas precisas e com dignidade. "Mas a família herdeira quis obstar isso, como se todos não soubessem que Leminski morreu de cirrose agravada por hemorragia hepática", diz.

Para o escritor, seu livro "não destrata Leminski, como fazem muitos detratores, nem o endeusa, como fazem seus fãs". "Eu mostro Leminski em suas várias facetas, lembrando, analisando, considerando, sempre de forma digna e afetuosa."

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O escritor acrescenta que a alegação à proteção ao direito de privacidade, garantidos pelo Artigo 20 do Código Civil, por parte de biografados e seus familiares e herdeiros fere o Artigo 5.º da Constituição Federal, que trata de liberdade de expressão e do direito à privacidade.

Alice Ruiz diz que sempre foi e continua sendo contra a censura, mas acredita que, em nome da liberdade de expressão, não se deve permitir que sejam produzidas biografias e obras oportunistas que distorçam e ofendam a memória de quem não está mais vivo para se defender.