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É de se perguntar como Fabrício Corsaletti, 36 anos, arranjou tempo para escrever tão bem | Divulgação
É de se perguntar como Fabrício Corsaletti, 36 anos, arranjou tempo para escrever tão bem| Foto: Divulgação

Livro

Ela me Dá Capim e eu Zurro

Fabrício Corsaletti. Editora 34, 160 págs. R$ 32. Crônica.

Certos autores nos colocam perante uma condição de estarrecimento: como podem escrever tão bem sendo tão jovens? Onde arranjaram tanto tempo para dominar a tradição literária e, em seguida, provocar um novo caminho – em alguns casos, uma ruptura – em meio a tantos produtores de conteúdo? É difícil não se questionar sobre tais disparidades diante da prosa certeira do paulista Fabrício Corsaletti, nascido em 1978, e seu Ela me Dá Capim e eu Zurro, coletânea de 59 crônicas publicadas, em sua maioria, na revista sãopaulo, do jornal Folha de S.Paulo, entre 2010 e 2014, que sai agora pela Editora 34 – aquela que lançou Valter Hugo Mãe por aqui, outro parto conceitual da literatura contemporânea.

Naturalmente, não é adequado comparar estatura literária se de um lado temos um romancista reformador e de outro um cronista disposto a flagrar o cotidiano e trazer experiências de choque e inesperado, como em "Bardot": "Desculpem tratar de assunto tão pessoal, mas minha gata morreu e não tenho cabeça pra falar outra coisa". O compêndio, com o perdão do efeito sonoro, é um assombro. De "Aeroportos", "[...] Dentre a meia dúzia de aeroportos que conheço, o de Congonhas é o meu preferido. Pequeno, anacrônico, de fácil acesso, é o Pacaembu dos aeroportos (Guarulhos é o Morumbi: monumental e frio)." a "Esquilo", "[...] foi o ser humano mais engraçado que conheci. No entanto, da última vez que o encontrei ele estava bem sério. Em quinze anos acontecem coisas demais na vida de qualquer um e o bom humor se torna uma espécie de heroísmo, não um estado natural.", a coletânea é uma sucessão de achados brilhantes, como quando se defronta com um poema próprio, que considera pretensioso: "A felicidade é um vilarejo destruído no sangue escuro do meu coração".

Burros e zurros

Lá pelas tantas, descobrimos que o autor retirou seu título de um didático volume de bolso chamado Shakespeare de A a Z. "Não sei quase nada de Shakespeare, mas dizem que Shakespeare sabe tudo de mim, isto é, tudo aquilo que é humano – e bem ou mal faço parte da espécie." O batismo de Ela me Dá Capim e eu Zurro remete a uma fala de Drômio de Siracusa, ato II, cena II, em A Comédia de Erros, de 1594, a primeira peça do bardo inglês – comentário à margem: a obra, pioneira, trata da condição feminina na sociedade de seu tempo –. Em Corsaletti, nos deparamos com o microlirismo, o devaneio, isso que cabe ao cronista, não em regra, mas como algum projeto para melhor viver, de revelar o mistério das pequenas coisas obscuras.

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