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A escritora Alice Munro na floresta: a paisagem do interior canadense aparece em contos de Felicidade Demais como “Madeira” | Divulgação
A escritora Alice Munro na floresta: a paisagem do interior canadense aparece em contos de Felicidade Demais como “Madeira”| Foto: Divulgação

A autora

Aos 79 anos, a canadense Alice Munro está entre as mais importantes autoras de ficção em língua inglesa:

Conjunto da obra

Alice Munro tem três livros publicados no Brasil, dois pela Companhia das Letras (Fugitiva e Felicidade Demais) e um pela Globo (Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento). Nos últimos anos, a autora tem aparecido entre os nomes mais cotados ao prêmio Nobel. Em 2009, ganhou o Man Booker International Prize, pelo conjunto da obra.

Família

Nascida em 10 de julho de 1931, numa pequena cidade de Ontario, no Canadá, numa família de criadores de galinhas, Alice começou a escrever ainda adolescente e a ser publicada quando cursava a universidade. Formou-se em Inglês, em 1951. Logo se casou com James Munro e foi morar em Vancouver, onde teve as filhas Sheila, Catherine (morta horas depois do parto) e Jenny. Em outra cidade, Victoria, o casal abriu uma livraria e teve mais uma filha, Andrea. Em 1972, Alice e Munro se separaram, e ela voltou a Ontario para ser escritora residente em uma universidade. Casou-se então com o geógrafo Gerald Fremlin.

Biblioteca

Sua primeira coletânea de histórias saiu em 1986, Dance of the Happy Shades, e mereceu o maior prêmio literário canadense. Em 1978, o livro de histórias interligadas Who Do You Think You Are rendeu-lhe o mesmo prêmio pela segunda vez. Alice seguiu publicando livros de contos aclamados nos anos 80 e 90. Em 2002, sua filha Sheila contou as memórias da infância com a mãe em Lives of Mothers and Daughters: Growing Up With Alice Munro.

Cinema

Seu conto "The Bear Came Over the Mountain" foi adaptado ao cinema por Sarah Polley, com Julie Christie no papel da mulher casada e com Alzheimer que se apaixona por outro homem. O filme, Longe Dela, foi indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado.

Este ano, mais uma vez, Alice Munro esteve entre as apostas para o Nobel de Literatura, que premiou o peruano Mario Vargas Llosa. A canadense de 79 anos, que publica seus escritos desde a adolescência, alcançou a reputação de ser uma das maiores contistas de língua inglesa. Mas suas obras só começaram a chegar ao Brasil na última década. Felicidade Demais (Companhia das Letras), seu livro mais recente, lançado originalmente em agosto de 2009, é apenas o terceiro publicado por aqui.

As ideias para os seus contos vêm de fragmentos de memória, que acabam completamente reinventados ao fim. Ela cresceu no interior canadense, observando a complexidade das relações entre homens e mulheres "simples", recriados por ela em situações cotidianas como personagens de alta densidade emocional. A paisagem que a cerca, tomada pela atambém se infiltra como presença definitiva nos contos.

É comum a autora ser questionada sobre sua opção por escrever contos, e não romances, uma vez que não falta profundidade às suas histórias curtas. "Quero contar uma história, à maneira antiga, o que acontece a alguém. Mas eu quero que o ‘que’ acontece seja entregue com um tanto de interrupção, reviravoltas e estranheza. Eu quero que os leitores sintam que algo é surpreendente. Não ‘o que acontece’ mas o modo como tudo acontece. Esses contos longos fazem isso melhor, para mim", respondeu em entrevista publicada no site de sua editora, a Knopf.

Essa pretensão se realiza no conto "Dimensões", que abre Felicidade Demais – título carregado de amarga ironia. Em mais de uma ocasião, Munro faz o leitor se sentir atingido. O primeiro golpe vem ao revelar detalhes de uma tragédia brutal, depois de estabelecer uma atmosfera de expectativa sobre o acontecimento que destruiu a vida da protagonista, Doree. Tão potente quanto os fatos é a exposição do raciocínio do criminoso, e a lógica que faz Doree se convencer de que sua vida está irremediavelmente vinculada à dele pelo crime. São novos golpes no leitor, para, ao fim, reservar uma última – e surpreendente – puxada de tapete à personagem.

"Dimensões" é pertubador e comovente: duas qualidades encontradas nos melhores contos de Munro. Ela apresenta personagens inesperados e altamente críveis: um homem cuja falta de razão se impõe, pela intolerância, à esposa, uma mulher ingênua, mãe de três crianças e obediente às ideias insensatas do marido, quase além do limite da sanidade.

São mulheres como Doree as protagonistas de quase todos os dez contos de Felicidade Demais. A todas o destino reserva algum revés doloroso, que a autora se encarrega de desvelar demoradamente, com prazer em adiar, aguçando a curiosidade do leitor a partir dos rastros que deixa entrever.

Em alguns, contudo, pouco se explica, e ao terminar a leitura, fica uma sensação imprecisa de desajuste. É o caso de "Buracos-Profundos", conto familiar no qual um dos filhos se desprende do convívio com os pais e irmãos aparentemente motivado por um acidente ocorrido na infância. Em "Rosto" e "Brincadeira de Criança", Munro fala das reações infantis, de aceitação ou crueldade, diante de pessoas "diferentes" (com uma deformação física ou necessidades especiais). A crueldade, aliás, é um dos elementos mais desestabilizadores do seu livro.

Há ainda um grupo de histórias que, sutilmente, conversam entre si. Um homem que trabalhava com madeira, sua primeira esposa e a segunda mulher reaparecem reinventados, acrescentando perspectivas à trama original.

Ouvir também os ecos do conto de abertura – o mais forte – em outro, mais adiante, reedita o primeiro impacto, e contribui para desfazer a sensação de que nenhum outro será capaz de repetir a perturbação causada pela sequência de golpes inicial. GGGG

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