Um personagem que decide cruzar um deserto, um país, um continente inteiro. Ou resolve fazer uma peregrinação famosa, como o Caminho de Santiago de Compostela, porque, depois de uma epifania, cismou que era a hora de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. O mercado editorial parece ter concluído que a jornada desses personagens seja real, seja ficção tem grande apelo junto aos leitores. Não por acaso, chegaram às livrarias brasileiras, nos últimos meses, pelo menos cinco livros sobre pessoas que resolvem empreender uma grande viagem depois de sofrer um trauma ou concluir que sua vida era medíocre demais.
Um dos mais recentes é A Improvável Jornada de Harold Fry, da inglesa Rachel Joyce, lançado pelo selo Suma de Letras (Objetiva). Harold Fry é um senhor de 65 anos que, um dia, recebe uma carta de uma grande amiga com um aviso: ela está com câncer terminal e escreveu para se despedir. Chocado, ele sai para botar a carta com a reposta na caixa de correio. Mas resolve andar mais um pouco, até a próxima caixa. Então, até a caixa seguinte. Andando cada vez mais longe de casa, o idoso toma a decisão de cruzar a Inglaterra para encontrar a amiga a pé.
"Nunca pensei em escrever um best seller, então é difícil dizer por que as pessoas se sentiram atraídas pela história. Algumas gostam do fato de ser um livro sobre uma jornada não só pela Inglaterra, mas também pelo passado de Harold", diz Rachel Joyce. "Talvez a boa recepção venha do fato de ser uma celebração do homem comum que resolve fazer algo extraordinário, e descobre que nada pode pará-lo."
Harold Fry deu à sua criadora o National Book Award de melhor autor estreante, e a levou até a semifinal do Man Booker Prize, principal prêmio da literatura em inglês, em 2012. O sucesso foi tanto que Rachel costuma receber fotos de leitores que resolvem percorrer trechos da jornada de Harold.
"A ideia de uma peregrinação para encontrar a sabedoria é tão antiga quanto a civilização. É natural que livros assim encontrem um grande público. Acredito que eles atraem leitores em busca de autoconhecimento, aventura, libertação. Ou que têm vontade de quebrar tudo, sumir, mudar de vida, deixar a rotina", diz a editora da Objetiva Roberta Pantoja.
Outras jornadas
O Ancião Que Pulou a Janela e Desapareceu, do sueco Jonas Jonasson, lançado pela Record, tem um enredo semelhante. O livro conta a história de um senhor que, no seu aniversário de cem anos, escapa do asilo, rouba uma mala de dinheiro e cruza a Suécia, de pijamas, enquanto é perseguido pela polícia e recorda o passado. Jonasson escreveu o livro depois de passar por duas cirurgias na coluna e se divorciar.
Outra editora que aposta no gênero é a Casa da Palavra, com o romance As Mulheres de Terça-feira, da alemã Monika Peetz, lançado este mês no Brasil, depois de ter vendido 700 mil cópias em seu país natal. O livro narra a história de um grupo de amigas. O marido de Judith morre de câncer como a amiga de Harold Fry. A personagem encontra um diário dele sobre uma peregrinação inacabada pelo Caminho de Santiago de Compostela. Ao lerem que o Caminho traria "a cada passo, uma reposta", Judith e mais três amigas abandonam suas rotinas familiares e viajam para peregrinar.
"Resolvi editar esse livro porque acho que muitas mulheres uma hora questionam as decisões que tomaram mais novas. É aquele momento que ainda dá tempo de mudar de vida, mas há os filhos. Muitas querem mudar, mas poucas conseguem", diz Martha Ribas, diretora editorial da Casa da Palavra. "Histórias assim podem ser uma forma de usar a literatura para fantasiar e viver um pouco isso."
A Bienal do Livro do Rio, no final de agosto, vai receber um dos mais novos expoentes do gênero: Cheryl Strayed, autora de Livre A Jornada de Uma Mulher em Busca do Recomeço, história real vivida por ela. Aos 22 anos, depois de perder a mãe, se separar do marido e se viciar em heroína, a autora resolve caminhar 1.770 quilômetros pela costa oeste dos EUA, até a fronteira com o Canadá. A jornada, para Cheryl, era uma forma de salvação. O livro chegou às lojas especializadas 13 anos depois da caminhada e já teve os direitos para o cinema comprados pela atriz Reese Whiterspoon.
Outra história real é a contada pelo americano Carl Hoffman em Expresso Lunático, publicado este mês pela Record. Hoffman conta que, depois de um divórcio, percebeu que estava ficando velho, sentiu que sua vida "não parecia mais se ajustar." Então, ele resolveu cruzar o mundo nos meios de transporte mais baratos que achasse pelo caminho. Só usava companhias aéreas com altos índices de acidentes. No Peru, viajou em ônibus decrépitos que passavam, em alta velocidade, à beira de abismos. Na Sibéria, montou renas. Ao fim da viagem, ele havia passado por 65 países.
Além do enredo, as obras sobre essas jornadas coincidem em tamanho: 300 páginas, em média. São pequenos livros sobre grandes aventuras.