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El Greco - El Greco (1541-1614) é um dos monstros sagrados da pintura espanhola e não poderia deixar de causar impressão a um artista tão consciente da tradição artística de seu país como Picasso. A influência é especialmente notável nas obras do pintor andaluz quando jovem. Picasso pintou “Meneur de Cheval Nu” (à esquerda) quando tinha cerca de 25 anos, em sua fase rosa. Não é difícil identificar a dívida com a imagem de São Martinho em seu cavalo, ao lado de um pobre, pintado por El Greco (à direita) final do século 16 |
El Greco - El Greco (1541-1614) é um dos monstros sagrados da pintura espanhola e não poderia deixar de causar impressão a um artista tão consciente da tradição artística de seu país como Picasso. A influência é especialmente notável nas obras do pintor andaluz quando jovem. Picasso pintou “Meneur de Cheval Nu” (à esquerda) quando tinha cerca de 25 anos, em sua fase rosa. Não é difícil identificar a dívida com a imagem de São Martinho em seu cavalo, ao lado de um pobre, pintado por El Greco (à direita) final do século 16| Foto:
  • Cubismo - O cubismo de Picasso e Georges Braque causou comoção no mundo da arte nos anos 1910, mas nem por isso o movimento se desligou totalmente da tradição. Prova disso é esta versão de

PARIS - Pablo Picasso foi um dos grandes artistas do século 20, um criador revolucionário e subversivo que virou de cabeça para baixo boa parte dos parâmetros tradicionais da arte. Mas seu caráter transformador não o impediu de beber copiosamente da tradição e prestar homenagem aos mestres que lhe antecederam. É o que mostra uma espetacular exposição em Paris, que coloca as obras do gênio andaluz lado a lado com peças que o influenciaram diretamente durante sua longa carreira.

A mostra Picasso et les Maîtres (Picasso e os Mestres), nas galerias do Grand Palais, na capital francesa, enfatiza que o gênio se manifesta não apenas nas obras que produz, mas também na forma como se vêem e interpretam outras genialidades. A exposição deixa clara a dívida que Picasso tinha (e que jamais negou) com mestres como Lucas Cranach, Ticiano, Rem brandt, Manet e Poussin. Dívida paga com juros e correção monetária, já que ele digeriu as obras por meio de seu prisma pessoal e legou à posteridade reinterpretações que propõem perspectivas novas para admirá-las. A mostra evidencia como o ponto de vista de Picasso enriquece a experiência sensual de admirar as obras dos outros mestres.

"Quando nasci, eu pintava como Rafael. Levei a vida inteira para aprender a desenhar como uma criança", disse certa vez o gênio andaluz. A mostra segue esta evolução. A impecável reprodução anatômica de esculturas clássicas pintadas a óleo por Picasso quando ainda estava na academia é seguida por obras da fase azul em que se ressalta a influência, entre outros, de El Greco, o grande artista espanhol do século 16. Na fase cubista, Picasso bebe na fonte clássica de mestres como Zurbarán e Ribera, desconstruindo suas obras para elaborar criações próprias.

Na última fase de sua carreira, Picasso adota um estilo solto e explosivo, com muitas cores e desenhos naïves e consideráveis doses de abstração. A aquelas alturas, ele não causava marola apenas no mundo da arte, mas também entre os defensores dos morais e bons costumes que o acusavam de perpetrar pornografia disfarçada de arte.

A seção de nus da exposição dá uma pista de onde os trogloditas de plantão tiraram tais idéias. A partir de quadros que em sua época já escandalizaram mais de um carola, como a "Maja Desnuda", de Goya, ou a "Olympia", de Manet, Picasso extrapolou obras expressivas e ousadas que, apesar de outrora terem sido acusadas de não deixarem nada à imaginação, na verdade convidam o visitante a desafiar as limitações de suas próprias mentes.

A partir da década de 1950, Picasso decidiu reinterpretar de todas as formas imagináveis algumas obras que o obcecaram durante toda a vida. A mais célebre é certamente a série de 44 pinturas baseadas em "As Meninas", de Velázquez. Várias versões de Picasso, muitas delas expostas extensivamente no Museu Picasso, de Barcelona, ocupam boa parte do trecho final da exposição. Mas não houve forma de convencer o Museu do Prado, em Madri, a emprestar o original de Velázquez, uma das grandes pinturas da arte universal. Ainda assim, a obsessão do catalãopor suas obras preferidas se revela em outras duas exposições complementares em Paris. O Museu do Louvre expõe pinturas baseadas em "Femmes d’Alger", de Delacroix. E o Museu d’Orsay apresenta as reinterpretações de Picasso para "Déjeuner sur l’Herbe", de Manet.

Ao todo, a exposição reúne mais de 200 quadros emprestados de museus de todo o mundo. Para tranqüilizar os proprietários, os organizadores compraram a mais cara apólice de seguro para uma exposição de arte negociada até hoje – o prêmio custou quase 800 mil euros, ou um quarto do orçamento total da mostra. Não é para menos: o valor combinado dos quadros expostos é estimado em mais de 2 bilhões de euros.

O que só reforça a constatação de que Picasso realmente sabia das coisas. "O que, no fundo é um pintor?", perguntou ele uma vez, claro que retoricamente. "Trata-se de um colecionador que quer constituir uma coleção criando ele mesmo os quadros que ama e pertencem a outros."

Se o sujeito tem o calibre de um Picasso, certamente essa é a melhor solução. Caso contrário, a alternativa é mesmo dar um jeito de juntar os supracitados dois bilhões. Uma solução temporária e plenamente satisfatória, porém, é não perder a exposição que segue em cartaz até fevereiro de 2009 em Paris.

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Serviço

Picasso et les Maïtres. Galeries Nationales du Grand Palais, Paris, França. Até 2 de fevereiro de 2009.

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