
Serviço
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Jorge Leite Júnior é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Tem experiência na área de Antropologia, atuando com temas ligados à sociologia urbana, à sexualidade, à comunicação e à arte. Nesta entrevista para o Caderno G Ideias, Leite falou sobre a fragilidade das definições de erotismo e pornografia, apontando por que essas tentativas de classificação apenas legitimam uma forma de poder estabelecida por meio da distinção social. Por isso, diz Leite, é comum se definir a pornografia como "o erotismo dos pobres" e de todos aqueles privados de "capital cultural". Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Erotismo e pornografia
"Pornografia é um termo originado do grego pornographos, significando escritos sobre prostitutas. Já a palavra erotismo é derivada de Eros, deus grego do amor e da paixão carnais, e surge apenas no século 19. No fim desse mesmo século, a arqueologia descobriu, entre as ruínas de Pompeia, uma série de objetos e imagens sexuais explícitas pintadas em paredes de termas e outras casas. O Museu de Nápoles resolveu mantê-las numa área reservada, proibindo a visitação de mulheres, crianças e homens considerados incultos. Para nomear o conjunto de tais obras que, por mostrarem cortesãs e cenas de sexo, deviam ser vistas apenas com fins científicos , o termo escolhido foi pornografia."
O erotismo dos outros
"A ideia de que é possível (e desejável) distinguir o pornográfico do erótico visa a uma separação sutil, porém persistente, no imaginário ocidental. A própria origem dos termos demonstra essa diferenciação. A pornografia é tida como aquilo que transforma o sexo em produto de consumo. Está ligada ao mundo da prostituição e busca excitar os apetites mais desregrados e imorais. Evoca um conceito mais carnal, sensorial, comercial e explícito. O erotismo, em contrapartida, é algo tendendo ao sublime, espiritualizado, delicado, sentimental e sugestivo. Insinua-se nessa distinção uma tentativa de separação e diferenciação qualitativa entre grupos distintos de atitudes e conceitos para com o sexo e suas representações. Alguns grupos se deleitam no erotismo, enquanto outros chafurdam na pornografia. Assim, como afirmou o escritor francês Alain Robbe-Grillet, a pornografia é o erotismo dos outros."
O erotismo dos pobres
"A luta para separar o erótico do pornográfico é a batalha por legitimar um poder estabelecido por meio da distinção social. Assim, a pornografia não é apenas o sexo dos outros, mas é também associada ao sexo das classes populares, das massas e de todos aqueles que não possuem capital cultural, não pertencendo às esferas que mantêm o monopólio do chamado gosto legítimo. Assim, pornografia é também o nome dado ao erotismo dos pobres: pobres de alma, de cultura ou de dinheiro. Talvez seja por isso que, mesmo sendo uma indústria milionária, em sua face legal ou não, o mercado pornô é ainda associado à ideia de penúria material e miséria moral, caracterizando nesses termos tanto quem o produz como quem o consome. Provavelmente, também por esse motivo, não apenas a indústria, mas o outro lado desse mercado o consumidor é desqualificado e enquadrado dentro do discurso da doença/delinquência."
O lícito e o proibido
"Assim, percebe-se o quanto os conceitos de erotismo e pornografia, ou sexualidade sadia e perversa, são criações de grupos estabelecidos em certas estruturas de poder, e que manejam esses ideais a fim de manterem suas posições, valorizando suas diferenças frente a grupos que possam ameaçá-los não apenas na hierarquia social, mas também na coesão de seus valores.
Não é por acaso que tentativas desesperadas de separar o lícito do proibido, quanto a representações da sexualidade, provoquem discursos tão exaltados de ambos os lados, e que o termo pornografia se revele uma constante histórica quando se deseja de alguma forma deslegitimar a representação da sexualidade de camadas socialmente subalternas. Por isso, a dança do maxixe, o teatro de revista, as peças de Nelson Rodrigues, o funk carioca e mesmo Shakespeare, em algum momento histórico, já foram chamados de pornográficos."
Na internet
"Como qualquer nova mídia, a internet agrupa reflexões e manifestações de arte, ciência, religião e, claro, sexo. Creio que o mais importante da internet neste assunto não é o medo preconceituoso da proliferação da pornografia ou a elitista esperança da criação de uma pura arte erótica, mas justamente o borramento dessas fronteiras ideológicas, em que o erotismo mais refinado se encontra indissociável de imagens e palavras mais explícitas e grosseiras. Isso é o que de realmente novo a internet pode trazer. O resto é a continuação de lutas simbólicas, na definição do sociólogo Pierre Bourdieu, para a legitimação dos valores estéticos associados à sexualidade de quem julga e à deslegitimação dos valores de quem é julgado."
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