Há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, se exerce com método:
nos bancos de praça, pelas janelas
do quinto ao sétimo andar, diante do mar
nos alpendres dos sobrados, no interior do goiás
dentro dos ônibus interestaduais
e nas penitenciárias.
há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, não encontra passagem:
na rua XV do zênite, no pega-pra-capar do trânsito
na fila do banco, pelas escadas carregando compras
em frente aos muros pichados, nas lojas de sapatos
celulares e ares-condicionados
dentro de túneis, elevadores e mictórios.
Poema "Exercícios Banais 3", de Rodrigo Madeira.
Veja alguns vídeos do projeto
http://www.youtube.com/watch?v=RPLZLm7ymVc
http://www.youtube.com/watch?v=Q2isvmJREZs
http://www.youtube.com/watch?v=3l1MOniVgog
Externa. Noite. Esta indicação consta em todos os roteiros dos trabalhos da série de vídeos Pássaros Ruins, que registra as caras e textos da cena atual da poesia curitibana.
Os vídeos, disponíveis no YouTube, captam "aparições" dos criadores lendo seus próprios textos nas ruas do centro da cidade, no frio das altas madrugadas.
"A ideia é mostrar que o poeta é um Exu, o Deus Mercúrio, o cara louco que grita no deserto, o mensageiro dos deuses", explica o curador da série, o fotógrafo e poeta Ricardo Pozzo.
O projeto surgiu no ano passado, quando Pozzo e o cineasta Adriano Esturilho decidiram que era importante fazer um registro audiovisual da poesia produzida na cidade.
"Queríamos trazer a público o que pensam os escritores locais e um pouco de sua produção", explica Esturilho, o diretor.
Para Pozzo, a cena poética em Curitiba vive um momento de ebulição, que foi iniciado pelo projeto de recitais boêmios Porão Loquax (2006 a 2008), que tinha curadoria do Mário Domingues, e acontecia no porão do Wonka Bar.
"Ali, os poetas começaram a se encontrar e conhecer a obra uns dos outros", explica Pozzo, que é também curador do Vox Urbe, uma continuação da série de recitais no porão, e que inspira os vídeos de Pássaros Ruins.
"Na real, o trabalho é para mostrar que há uma cena quentíssima na poesia feita em Curitiba. Não queremos dizer que existe a poesia curitibana ou paranaense, mas mostrar o atual movimento do que se produz por aqui", completa.
Gafanhotos
A websérie foi aberta no mês de agosto com o poeta Rodrigo Madeira, e mantém a média de publicação de um poema novo a cada semana. Pozzo foi o segundo a aparecer declamando um texto seu. Depois, foi a vez dos poetas Andréia Gavita e Ivan Justen Santana.
No último vídeo publicado, Adriano Smaniotto recitou seu poema "A Velha da Rodoviária" enquanto dava uma caminhada noturna pelos arredores do Passeio Público.
Segundo Pozzo, pelo menos 15 nomes de escritores, como Paulo Bearzoti Filho, Wagner Schadeck, Guilherme Gontijo Flores, Fernando Koproski, entre outros, já estão na agenda da produção, para que o projeto mantenha seu ritmo e linguagem ao longo de todo o ano que vem.
A produção da série é independente, feita pela Processo Multiartes, com apoio das produtoras Casazul e Stamp.
"Nossa intenção foi criar um projeto viável e que tivesse canal de comunicação com um público que não fosse aquele que normalmente consome poesia", afirma Esturilho.
"Chegamos a cogitar a realização de algumas entrevistas, mas concluímos que os poemas falam por eles mesmos. Também fizemos questão de que os próprios autores declamassem os seus textos, pois é importante que a cidade conheça os seus poetas", acredita.
Pozzo explica que o título escolhido para batizar a série remete ao livro quase homônimo de Rodrigo Madeira, Pássaro Ruim, de 2011 Madeira é uma das vozes mais expressivas da nova geração de poetas da cidade.
"O nome vem do livro do Rodrigo, em cuja capa há um gafanhoto. Ele é o pássaro ruim, um ser voraz que devasta, uma praga. Ao mesmo tempo, há uma questão de que uma cadeia de voracidade pode ser interrompida se um dos gafanhotos não faz passar adiante a mensagem de avidez", filosofa.
"A metáfora do gafanhoto que nunca chega a acontecer como pássaro, o pássaro ruim, é também um tanto do que é a literatura curitibana. Em constante metamorfose, e merecedora de maior reconhecimento", completa Esturilho.
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