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Sei que qualquer análise que se tente fazer das manifestações que movimentam o Brasil nas últimas semanas é, antes de tudo, um esforço contra o tempo: os fatos têm se encarregado de derrubar análises apressadas.

Ainda, assim, alguns aspectos podem ser ressaltados.

A pauta dos primeiros protestos buscava a revogação dos aumentos das tarifas de transporte coletivo.

Alguns se espantaram que manifestações com tal intensidade tenham começado por conta de R$ 0,20. Mas, como tantas vezes ouvimos nos últimos dias, não são apenas R$ 0,20. É o direito das pessoas de se locomoverem em suas cidades. É o tempo delas, gasto em deslocamentos intermináveis e em condições questionáveis. É, em última análise, um protesto pela liberdade, por transparência, por respeito.

Mas, acima de tudo, é um protesto com uma pauta definida e que foi vitoriosa – ao menos, nas capitais que anunciaram, nos últimos dias, a revogação dos aumentos ou redução de tarifas.

Claro que a discussão vai além desse último aumento. Mas a vitória também é maior: mesmo que as "caixas-pretas" do transporte coletivo – como querem os manifestantes, ou as "planilhas técnicas" – como preferem os governantes, ainda não estejam totalmente abertas, ficou claro que há espaço para a discussão.

Subsídios e desonerações podem até não ser as melhores soluções, porque serão os usuários do sistema que continuarão pagando, indiretamente, com a falta de recursos para outras políticas públicas, igualmente relevantes. Mas temos um precedente: agora, qualquer aumento de tarifa será muito refletido pelas diferentes esferas de governo.

E, aqui, entramos em outro ponto. Estimuladas pelo movimento inicial e, talvez, motivadas pela solidariedade aos primeiros manifestantes, que foram reprimidos com violência, várias pessoas, com várias bandeiras diferentes, se juntaram ao movimento, culminando nas manifestações da última segunda-feira, 17 de junho.

Esses últimos atos, ainda que sem uma motivação comum a todos os participantes, parecem indicar que os brasileiros passaram da indignação à contestação. Se há um denominador comum, além do próprio direito a se manifestar, é o desencantamento com o sistema político tradicional, suas instituições, procedimentos e pessoas.

Por outro lado, e aqui corro o risco de um retumbante equívoco, o potencial realizador dessas manifestações parece-me muito pequeno, justamente pela diversidade – e pouca objetividade – de suas intenções.

De qualquer forma, o ruído ensurdecedor das manifestações, é preferível ao silêncio com o qual estamos acostumados, no Brasil, há anos. É fundamental que os cidadãos percebam que têm voz. E é fundamental que as instituições ouçam e se sensibilizem com a voz dos cidadãos.

Nossas estruturas políticas, fincadas na ideia de representação, implicam, muitas vezes, na alienação do poder político pelo cidadão. Ele vai às urnas a cada 2 anos e se acostuma, no intervalo entre uma e outra eleição, a uma posição passiva, como se fosse objeto da política e não um sujeito dela. O simbolismo das imagens de segunda-feira, com centenas de milhares nas ruas, somado ao recuo nas tarifas de transporte, é uma mensagem que não deve ser esquecida, pelos cidadãos e pelos nossos representantes.

Melhor do que dar as costas à política, é tomar parte dela, seja pelas vias tradicionais, seja pela discussão pública. Cabe a cada brasileiro manter acesa a chama da participação constante nas decisões que, todos os dias, influem em suas vidas.

Lincoln Schroeder, professor de direito constitucional da FAE Centro Universitário e procurador federal.

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