Capa do livro de Dalton Trevisan oferece intervenção sobre um desenho de Poty Lazarotto| Foto: Reprodução

Sabe quando você está no cinema e, acabados os trailers, soa um jazzinho, a tela fica preta e aparecem créditos escritos em branco com fonte Windsor?

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Woody Allen. E você sente o imenso conforto da familiaridade com algo bom. Que agora vem de novo.

Talvez a dificuldade da imprensa, da academia e da crítica, de lidar com mais um livro de Dalton Trevisan, com a figura de Dalton Trevisan, possa vir precisamente de uma sensação como essa: de uma eterna repetição que é ao mesmo tempo de um ineditismo total. Absoluto. Sempre fresco.

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Eu não conheço outro exemplo de um escritor brasileiro... Ou melhor, eu não conheço outro exemplo de um escritor (e, a bem da verdade, nem muitos exemplos de artistas, ponto) que tenha se mantido tão relevante, por tanto tempo, de uma maneira tão sólida.

Nosso octogenário, senhoras e senhores, é melhor que os outros.

E ponto final.

Cristovão Tezza, por exemplo, que é simplesmente o romancista mais festejado do país, vive brincando que não pode nem se dizer o maior do bairro, porque mora perto do homem.

Estilo único

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Que Trevisan inventou sua linguagem todo mundo sabe. Que ele criou um mundo todo seu (curiosamente parecido com a Curitiba que a gente vê – e com a que a gente não quer ver), em que se move junto com os seus personagens há 60 anos, todo mundo sabe.

O que vem ficando nítido, no entanto, é que além disso ele parece ter criado um trajeto, inventado não apenas uma forma de fazer literatura, mas uma forma de fazer uma carreira na literatura.

Agora, olhando daqui, é quase tentador pensar que ele tivesse tudo elaborado já lá nos anos 1950. Os movimentos, as idas e vindas, as contrações e expansões que deram forma à sua forma e permitiram que ele, hoje, ainda esteja coerentemente desenvolvendo os mesmos temas ao mesmo tempo em que, sorrateiro, safado que só ele, acrescenta sempre um dado novo, um fato vivo, um feito fresco, um jeito presto.

E deve estar lá, rindo sorrateiro de todos nós que achamos que já vimos isso antes, que já lemos esse outro, que sabemos, que contemos.

Nada, meu filho. Nada.

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Aquilo é muito outra coisa; e é assim que ele te engrupe, te embala e te engambela.

Ele não está escrevendo contos, caros leitores. Não está nem escrevendo livros de contos. Ele está escrevendo a obra de Dalton Trevisan. Desde o começo. Sua sinfonia composta por uma vida.

É assim esse O Anão e a Ninfeta.

Da capa (ora, o mesmo Poty de sempre? Nada, pôs-lhe a mão uma Fabiana!), ao título (a mesma delícia de reconhecer a fonte dos créditos de mais um Woody Allen), à forma (quem conta um conto...), aos temas de sempre.

Mas é nesses temas que a reviravolta, delicada, se revela. Da mudança que é o velho Tito como novo Nelsinho à nova atitude de um vampiro que sobrevive às suas vítimas.

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Talvez mais só.

Mas paradoxalmente mais moço. Um novo homem de novo.

Ele já fez isso antes? Dezenas de vezes.

(Trevisan é um vício.)

Mas, mais do que isso, o que vale a nota, aqui ou em qualquer lugar, não é ele ter feito isso de novo. Mas sim o ter conseguido fazer isso de novo. Escrever mais uma vez mais um pedaço do grande livro de contos de Dalton Trevisan.

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Acrescentar mais um capítulo à prolixa comédia humana da laconicidade dos pinhais. Incorporar mais um movimento à sua obra, uma variação digna do todo.

Te dar mais essa.

Beethoven foi um que, ao ficar mais velho, foi cada vez mais saindo da forma sonata e se aproximando dos temas com variações. Mas Beethoven nunca chegou à idade de Trevisan, que, talvez mais sábio desde o começo, renegou de saída a sonata e passou a desenvolver como poucos na história da literatura a força e o impacto das minúsculas variações sobre um mesmo tema.

Curitiba.

Eu.

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Você.

Lê lá. Já!

Serviço:

O Anão e a Ninfeta, de Dalton Trevisan. Record, 160 págs., R$ 34,90. Contos.