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Peter Greenaway: de luto por causa da “morte do cinema” | Greg Salibian/Divulgação
Peter Greenaway: de luto por causa da “morte do cinema”| Foto: Greg Salibian/Divulgação

Conferência

Por trás do barulho, argumentos são mais complexos

Com o domínio de quem acredita no que fala, Peter Greenaway se apresentou no ciclo Fronteiras do Pensamento durante pouco mais de uma hora citando datas, obras e estatísticas sem consultar papel nenhum.

A conferência começou com meia hora de atraso e teve problemas de som durante a projeção de vídeos, mas nada que comprometesse a noite.

O cineasta septuagenário andava de um lado para o outro do palco da bela Sala São Paulo, onde antes funcionava uma estação de trem e hoje toca a Orquestra Sinfônica da cidade. A informação é útil porque os argumentos do britânico pareciam, de fato, trens, carregando várias pessoas que encontravam pelo caminho.

Ele é um homem bastante persuasivo e não eram poucas as cabeças na plateia que balançavam afirmativamente diante dos argumentos que destrinchava.

O britânico fez poucas piadas, uma delas com Sharon Stone – o que pode indicar o período em que parou de ir ao cinema: meados dos anos 90. Citou a atriz de Instinto Selvagem para dizer que o cinema não pode ser limitado pelo culto aos atores. "O cinema é muito mais do que um veículo para Sharon Stone. E isso não é culpa da Sharon Stone."

Greenaway gosta de sentenças impactantes ("O cinema está morto", "Precisamos nos livrar da câmera", "A ciência vai recriar Marilyn Monroe em laboratório"), mas ele as usa para chamar atenção. Seus argumentos são mais complexos do que isso.

Aos olhos dele, o importante é a imagem. O tamanho, a maneira como será apresentada, que elementos a compõem. O cinema deveria parar de buscar ideias em livros e se preocupar mais com as imagens.

Está claro que um dos planos do diretor é trocar as livrarias pelos museus e igrejas. Num projeto como Nine Paintings Revisited, a matriz para o cinema é a obra de arte. Uma imagem na origem de outras imagens.

Ao fim da conferência, alguém do público questionou se o cinema não poderia ter várias facetas e abarcar tanto a narrativa quanto a ausência de narrativa.

Greenaway se recostou na cadeira onde havia se sentado há pouco, meio de lado, largando o braço esquerdo sobre o espaldar e disse: "Acredito que existe, sim, espaço para vários tipos de cinema".

No fundo, ele é um senhor tranquilo. (IBN)

Entenda o que é o ciclo Fronteiras do Pensamento

O que é

O Fronteiras é um projeto cultural, com empresas patrocinadoras, que aposta na liberdade de expressão e na educação de qualidade como ferramentas para o desenvolvimento.

Proposta

Neste ano, a versão paulistana do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, criado em Porto Alegre, escolheu oito pensadores para falar sobre o tema "O mal-estar das civilizações contemporâneas".

Agenda

Até outubro, se apresentam: Cameron Sinclair (5 de junho), arquiteto britânico cofundador da Architecture for Humanity; Michael Shermer (29 de agosto), psicólogo norte-americano colunista da revista Scientific American e fundador da revista Skeptic; Tzvetan Todorov (5 de setembro), filósofo e linguista búlgaro, autor de A Literatura em Perigo; Susan Greenfield (18 de setembro), cientista britânica; Michel Onfray (10 de outubro), filósofo e escritor francês, autor de A Potência de Existir; e Mohamed ElBaradei (30 de outubro), diplomata egípcio vencedor do Prêmio Nobel da Paz.

Fonte: www.fronteiras.com

Perfil

Peter Greenaway nasceu no País de Gales, em 5 de abril de 1942. Como cineasta, ficou conhecido por explorar as possibilidades estéticas do cinema, algo que denuncia seus interesses e formação em artes plásticas. Na sua filmografia, que inclui trabalhos para o cinema e a televisão, os filmes mais conhecidos são Afogando em Números, O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante e O Livro de Cabeceira.

Ao entrar no palco da Sala São Paulo, na noite de terça-feira, o cineasta Peter Greenaway estava todo de preto, das meias à camisa fechada até o último botão. Como se estivesse de luto.

Nos primeiros minutos da conferência que apresentou na capital paulista, como parte do ciclo Fronteiras do Pensamento, ele anunciou que o defunto era o cinema.

Dizer que "o cinema está morto" é só uma frase de efeito (hoje em dia, aliás, uma frase de pouco efeito, pois toda hora surge alguém anunciando a morte de alguma coisa). Ao longo de sua fala na capital paulista, o diretor britânico de filmes como Afogando em Números e O Livro de Cabeceira foi explicando suas teorias e a tal morte suposta ficou um pouco mais fácil de ser assimilada.

Greenaway escolheu ser pintor na juventude e estudou artes plásticas em Londres. Seu interesse pelo cinema veio depois, mas agora, aos 70 anos, sempre que fala em público se apresenta como um homem formado em artes e isso é fundamental para entender suas ideias.

"Segundo [o escritor e semiólogo italiano] Umberto Eco, o mundo como o conhecemos foi criado por 8 mil anos de textos. Foi criado por mestres – e algumas mestras – de letras", disse o cineasta. "Agora, chegou o momento desses mestres de letras cederem lugar aos mestres das imagens."

Quando afirma então que o cinema está morto, ele se refere a um formato, à experiência de se sentar numa sala escura diante de uma tela de projeção, sem se mexer por 120 minutos. "Isso não é natural. Não existem quadros [frames] na natureza. E você só fica parado tanto tempo assim quando está dormindo."

Para aproveitar as "oportunidades maravilhosas" que se delineiam para o futuro – as aspas são do conferencista –, o cinema precisa se libertar de quatro "tiranias", quatro elementos que o aprisionam: a tela, o texto, o ator e a câmera.

Sendo um homem de imagens, Greenaway diz para quem quiser ouvir que não dá a mínima para contar histórias e argumenta que isso não é trabalho do cinema. "Não acho que a história seja importante. Quem aqui na plateia vai ao cinema e, com 20 minutos de filme, já sabe o que vai acontecer?", questionou. "As histórias são sempre as mesmas."

Ele usou dois exemplos. O compositor austríaco Arnold Schoenberg tirou a harmonia da música e o artista russo Wassily Kandinsky tirou a figuração da pintura. Greenaway, por sua vez, quer tirar a narrativa do cinema. "A pintura não é narrativa. Por que o cinema não pode ser uma experiência cinematográfica?"

Artes plásticas

Tal postura afastou o cineasta dos filmes e o carregou para as artes plásticas. Alguns argumentos e experimentos de Greenaway estão muito próximos de trabalhos de videoarte, sobretudo pela ausência de narrativa.

Ele mostrou o projeto que desenvolveu para uma feira de design na Itália em que sete telas de cinema, todas com dimensões grandes e formatos diferentes, são usadas simultaneamente com informações distintas. São imagens sem pé nem cabeça (mas com trilha sonora) que criam um efeito visual.

A reclamação mais frequente relacionada a esse tipo de experiência tem a ver com o excesso de informações. Argumento que ele rebate citando a rede de tevê CNN e o filme Guerra nas Estrelas (o primeiro da saga Star Wars, de 1977), de George Lucas.

"No formato da CNN, copiado por todo o mundo, você tem duas e às vezes mais telas simultâneas, mais uma barra com quatro tipos de notícias diferentes, em textos que se alternam. E ninguém parece incomodado com isso", diz. "Se você assistir ao Guerra nas Estrelas hoje, vai ver que ele é entediante. Extremamente lento. Nós aprendemos a lidar com o formato da CNN muito rápido."

No projeto "Nine Classic Paintings Revisited", ou nove pinturas clássicas revisitadas, Greenaway usa elementos como luz e som, além de pequenos efeitos de computação, para "animar" obras-primas.

Ele conseguiu fazer chover no Ronda Noturna, de Rembrandt, e colocou janelas como se alguém estivesse espiando a Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Agora, de acordo com o diretor, o Papa Bento 16 quer que ele trabalhe com a Capela Sistina, de Michelangelo, enquanto os Estados Unidos pediram para que conte a história norte-americana com imagens sobre a Estátua da Liberdade.

Interatividade

Qual a sua opinião sobre a defesa de Peter Greenaway de um cinema sem narrativas?

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