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O compositor austríaco Mozart compunha suas músicas para satisfazer o maior número de pessoas possível | Reprodução
O compositor austríaco Mozart compunha suas músicas para satisfazer o maior número de pessoas possível| Foto: Reprodução

Opinião

Livro de Ross é um guia para descobertas

Ross fala de música como se ela estivesse ligada organicamente à sua narrativa. Os cânones deixam de ser nomes catalogados, que levam as datas de nascimento e morte entre colchetes. Ao traçar seus perfis, Ross os traz para os dias de hoje em seus diálogos, ironias, senso de humor, vaidades. A música de que fala Ross faz parte do mundo, e o autor cita suas peculiaridades como se falasse sobre um velho conhecido de todos. O autor faz uma didática da percepção sem parecer paternal ou infantilizar o leitor, como se fizesse um esforço para explicar a leigos as frações mais palatáveis de uma forma de arte superior. Suas "traduções" da música não soam exageradas ou idiossincráticas, e tampouco oferecem um manual rápido de observações eruditas para causar boas impressões.

Ao se debruçar sobre a obra dos músicos, o livro convida a uma leitura demorada, alternada com a audição das obras citadas pelo autor. Para os que não conhecem as obras em questão, o livro é um guia para novas descobertas e uma oportunidade para intensificar a experiência musical. Para os que conhecem, é uma redescoberta que joga luz sobre novos detalhes. Há, no entanto, pequenos lapsos de tradução e alguns termos e referências que podem soar obscuras para muitos leitores – o que poderia ser resolvido com um glossário. GGGG

Serviço:

Escuta Só - Do Clássico ao Pop. Alex Ross. Companhia das Letras. 422 páginas. Preço médio: R$ 39,60

Rafael Costa, repórter do Caderno G

  • Para Ross, a cantora islandesa Björk faz uma música livre das limitações impostas aos gêneros erudito e pop
  • Alex Ross, escritor e crítico

O compositor Amadeus Mozart, um dos maiores gênios da música, criava suas obras pensando tanto nos entendidos como no público em geral. Era uma preocupação sua compor obras que fossem satisfatórias aos conhecedores e que, ao mesmo tempo, agradassem a todos. Apesar disso, séculos depois, sua música passou a habitar o mundo "erudito", e seria ligada a estereótipos – que, por sua vez viriam a frustrar, na década de 1990, a cantora pop islandesa Björk. A pouco óbvia ligação entre os dois é uma das ideias levantadas pelo livro Escuta Só, do crítico norte-americano Alex Ross: numa época em que a música clássica erroneamente remete ao passado e à morte, os artistas seriam exemplos da ausência de fronteiras entre a música popular e a erudita.

Mozart e Björk estão entre os perfis reunidos no livro – em sua maioria, uma compilação de textos publicados entre 1997 e 2010 na revista The New Yorker, onde Ross trabalha como crítico de música desde 1996. A banda britânica Radiohead, o compositor Verdi e a meio-soprano americana Lorraine Hunt Lieberson, falecida em 2006, são alguns dos personagens retratados em detalhes, que vão de traços psicológicos a relações familiares que se refletem em seus processos de trabalho. Representantes da música clássica e da música pop são colocados lado a lado, amparados pelo ensaio "manifesto" que abre o livro – "Atravessando a Fronteira do Clássico para o Pop".

Fronteiras

Para Ross, a música clássica não é elitista, nem afastada da realidade das pessoas, e tampouco a música pop carece de legitimidade. A "mentalidade clássica", que o autor diz ter surgido no século 19, criou ideais de admiração do passado e aversão ao presente que acabaram afastando o público da música dita "erudita" – termo que, assim como "música séria", "grande música", "boa música", são desprezados pelo autor. No entanto, a música "odeia o passado e quer escapar", afirma Ross no livro.

Uma dos exemplos de atualização é desenhado pelo autor no segundo capítulo do livro, tema de uma palestra que Ross apresentou quando esteve no Brasil, no início de agosto. "Chacona, Lamento, Walking Blues: Linhas de Baixo da História da Música" mapeia padrões e linhas de baixo recorrentes que surgiram da chacona, uma antiga dança espanhola, e se desenvolveram ao longo dos séculos – da obra de Bach ao jazzista Duke Ellington, no século 20. As tecnologias do capítulo "Máquinas Infernais: Como as Gravações Mudaram a Música", embora sejam também alvo da postura saudosista dos "apóstolos" da música clássica criticados pelo autor, permitiu levar a música da elite para as massas.

Paralelamente à introdução aos cânones da música clássica e a alguns dos artistas populares de maior prestígio artístico, com detalhadas descrições sobre suas obras, Ross constrói uma narrativa da história da música, descrevendo seus episódios mais significativos em linguagem simples e livre de tecnicismos ou cronologia. Combinada com as sugestões de obras e gravações para ouvir ao fim do livro, capítulo por capítulo, o livro torna-se uma experiência de aproximação com a música.

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"Há pelo menos um século, a música tem sido escrava de um culto elitista medíocre que tenta fabricar autoestima agarrando-se a fórmulas vazias de superioridade intelectual.[...] Sim, a música pode ser grande e séria, mas grandeza e seriedade não são suas características definidoras. Ela também pode ser estúpida, vulgar e insana. Os compositores são artistas, não colunistas de etiqueta; eles têm o direito de expressar qualquer emoção, qualquer estado mental. Eles foram traídos por acólitos bem-intencionados que acreditam que a música deveria ser comercializada como um bem de luxo, que substitui um produto popular inferior. Com efeito, esses guardiões dizem: "A música que você adora é lixo. Em vez disso, ouça nossa grande música erudita". Eles estão conseguindo pouco sucesso com os não convertidos porque se esqueceram de definir a música como algo que vale a pena amar. A música é um meio pessoal demais para sustentar uma hierarquia absoluta de valores. A melhor música é a que nos persuade de que não existe outra música no mundo."

Alex Ross, escritor e crítico

Interatividade

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