O mais recente romance de Marcelo Rubens Paiva é, entre tantas possibilidades, uma resposta a "O Amor Acaba", breve e clássico texto de Paulo Mendes Campos (1922-1991). Raul, o protagonista de A Segunda Vez que Te Conheci, é abandonado pela esposa, tenta se relacionar com a melhor amiga dela e, após descompassos existenciais e modificações interiores, reencontra a mulher com quem havia se casado. "O amor se transforma. A tese do meu livro afirma: para viver um amor é preciso matar o anterior. Portanto, não é que ele acaba. Nós que temos de desplugá-lo do coma e deixá-lo morrer", revelou Paiva, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
O narrador, em primeira pessoa, sofre e procura exorcizar as feridas do fim de caso: da tentativa de reter a pessoa que vai, partindo para a negação e, finalmente, rumo ao fato (mais do que consumado) de ter de enfrentar o inevitável. "O amor da minha vida quer esquecer o homem da sua vida! Mulheres mentem para não machucar. Machucam, porque mentem", enuncia Raul, em meio à divisão de todo um mobiliário, também sentimental, construído a dois, sem nenhum temor de transitar pelo terreno que uns e outros podem vir a chamar de ridículo: "Nos tornamos piegas quando a tristeza é inevitável."
O quarto poder?
Entre as possíveis causas do final do casamento do protagonista está a profissão: o jornalismo. A necessidade de permanecer na redação, sobretudo em plantões que, de certa forma, "furtam" finais de semana e feriados, acabou (lenta mas definitivamente) afastando o casal. Raul, inicialmente, se recusa a aceitar o argumento da esposa. "O rock não morre, a história não tem fim, o amor não acaba! Não é por causa do meu trabalho, é? Você é superior a este clichê." Mas o casamento se revela, ora, pois, insustentável. E, se desgraça pouca é bobagem, como reza o clichê, quase no mesmo espaço-tempo, ele é demitido da empresa jornalística onde atuou por muitos anos.
O profissional experiente, adulto que caminha rumo a chamada "melhor idade", foi descartado do jornal e, sem perspectiva, passa a viver em um flat. Lá, conhece e começa a explorar luxuosas garotas de programa. Numa roda-viva ziguezagueante, veloz e voraz, Raul convive com profissionais do sexo e, simultaneamente, articula pensamentos a respeito das várias possibilidades de atuação dessas mulheres, estejam nas ruas, dentro de casas ou mesmo anunciadas em sites especializados.
O eterno retorno
Inesperadamente, o ex-jornalista metamorfoseado em cafetão bem-sucedido recebe um convite, de um colega da imprensa, para escrever um artigo sobre, justa e precisamente, o amor. Entre aceitar ou não a proposta, também surge para o protagonista a oportunidade de reatar a relação com a ex. Ele decide escrever o texto, que terá a finalidade de atingir, não os leitores, mas sobretudo aquela que ele não consegue esquecer.
Um dos pontos altos deste romance, que costura habilmente diversos motes, se dá no momento em que Raul reflete sobre o que escrever no artigo a respeito do amor. Entre ações, pensamentos e diálogos, o personagem pressionado pelo prazo elabora algumas ideias-forças: "O amor não acaba. Deixa rastro. Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está ele, na poeira suspensa, na revolta da memória. Na solidão do domingo, lá vem ele, volta com lamento, um desespero. No teatro, no palco de história de amor, no cinema, na tela com beijos e risos, na tevê, que inveja, já tive um amor igual. Onde ele se escondeu?".
Se A Segunda Vez que Te Conheci não decreta o fim do amor, antes insinua que o inevitável é uma transformação, para o bem? para o mal?, a prosa de Marcelo Rubens Paiva acima de tudo tem a capacidade de seduzir o leitor e (sem dúvida) manter o interesse pelo enredo, fruto de uma linguagem elaborada, da primeira até a página 192.
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Serviço
A Segunda Vez que Te Conheci. Marcelo Rubens Paiva. Objetiva. 192 págs. R$ 29,90.