Portuguesa com sotaque carioca

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A cantora Teresa Salgueiro, para muitos de seus admiradores ao redor do mundo, é uma das vozes de Portugal. Sua imagem e a do Madredeus – grupo musical lusitano do qual faz parte – estão de tal forma interligadas que a maioria dos álbuns do grupo apresenta, na capa, a imagem da bela cantora como ícone de uma música que desafia rótulos e ultrapassa fronteiras.

Tereza, no entanto, gosta de alçar vôos solitários. Uma apaixonada pela música popular brasileira, ela decidiu, no ano passado, empreender uma jornada musical transatlântica, dedicando um disco inteiro à nossa canção. O resultado beira o sublime.

À primeira audição de Você e Eu, o que chama mais a atenção do ouvinte, chegando a provocar um certo choque, é a escolha corajosa da artista de adotar o sotaque carioca, deixando o acento português em Lisboa, sua casa. Defendeu sua escolha, afirmando que a sonoridade lusitana não se harmonizaria com a musicalidade brasileira. Tem razão.

Mas o disco é bem mais do que isso. A principal característica do canto Teresa é que, não importa o que esteja a interpretar, ela estende as notas, com seu timbre lindo, limpo e bastante peculiar. Esse traço, no entanto, poderia ser um problema em se tratando de música brasileira. Acaba não sendo. Felizmente.

Graças também aos bons arranjos, de Teresa consegue encontrar a cadência em obras de compositores pré-Bossa Nova, como Ary Barroso e Dorival Caymmi, e também se sai bem cantando Tom Jobim, que não pede extensão, mas a capacidade de compreensão do caráter introspectivo das composições.

A portuguesa consegue encontrar seu lado "o amor, o sorriso e a flor" para entoar clássicos da bossa nova, como "Insensatez" e "Inútil Paisagem", formidáveis em sua tessitura quase melancólica, com andamento lento. E, em território um pouco mais dramático e, portanto, familar a ela, Teresa arrasa. Prova disso é sua já antológica interpretação de "Valsinha", parceria de Vinicius de Moraes e Chico Buarque.

Teresa Salgueiro é lisboeta, nascida em 1969, e começou sua vida artística de forma casual. Tinha apenas 17 anos e gostava de cantar fados e música brasileira com amigos quando foi descoberta pelos integrantes do Madredeus (que então iniciavam o projeto do grupo e buscavam uma voz feminina). O encontro a tiraria para sempre do anonimato e a afastaria, em definitivo, dos planos de se tornar bióloga.

Desde 1986, Teresa, na qualidade de uma das fundadoras do grupo, mantém sua rotina atarefadíssima de concertos ao redor do globo, além de entrevistas e gravações com o grupo, sem, contudo, deixar de fazer o que deseja

Com Você e Eu, que sucede outro trabalho-solo, o CD Obrigado (compilação de vários de seus vôos-slo), ela atesta mais uma vez sua versatilidade, algo notável para uma cantora de timbre tão particular. A música brasileira agradece a atenção por ela dispensada em um disco que merece figurar entre os melhores lançados no país neste ano. GGGG1/2