Belo Horizonte (MG) Eventos de todo tipo, no Brasil e no exterior, que discutem a leitura são consensuais quanto a sua maior questão: como fazer as pessoas lerem? Não é o tipo de dor de cabeça que se tem no Canadá ou na França. Esse é um problema dos países em desenvolvimento que, de acordo com muitos estudos e experiências, não se desenvolvem porque não lêem.
O 3.º Congresso Internacional de Educação, bancado pela Fundação Santillana e realizado em Minas Gerais na última quinta-feira, procurou acrescentar dados à discussão assim como tentou responder à maldita pergunta: como incentivar alguém a ler. O relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) indica que 75% dos brasileiros são incapazes de ler e entender um texto. O número foi destacado por Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação: "Isso é um atraso muito grande na educação. Nos adultos, não poderemos recuperar esse atraso. Precisamos nos ocupar das gerações futuras".
No mesmo ano do programa Fome de Livro, do governo federal, e do Ano Ibero-Americano de Leitura, o país assiste a iniciativas independentes como a da MTV e da Rede Globo. A primeira, todos os dias, suspende sua programação por 15 minutos e insere uma vinheta com uma campainha irritante para espantar os telespectadores onde se lê "Desligue e TV e vá ler um livro", que dá nome à campanha.
A Globo começou a inserir literatura em suas telenovelas personagens aparecem lendo livros e falando sobre obras como O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. Em Laços de Família, por exemplo, Tony Ramos interpretou um dono de livraria onde vários personagens circulavam e trocavam idéias.
Galeno Amorim, presidente do Conselho Viva Leitura, do Ministério da Cultura, diz que o governo quer criar mil bibliotecas até o final do ano que vem. Para contrastar com Amorim, a professora Gladys Rocha, da Universidade Federal de Minas Gerais, levou ao congresso de leitura dados pouco otimistas. Números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, em 1999, 20% dos 5.506 municípios brasileiros não tinham bibliotecas.
De acordo com os Indicadores Nacionais de Analfabetos Funcionais, fornecidos pela Fundação Paulo Montenegro, 7% dos brasileiros são "analfabetos plenos", incapazes de reconhecer uma letra. No chamado "nível rudimentar", que reúne os que lêem títulos e frases curtas, se encontram 30% da população; 38 % consegue ler apenas pequenos textos é o "nível básico"; e somente 26% das pessoas são plenamente alfabetizados.
Um dos exemplos mais impressionantes citados por Gladys foi o da cidade de Araçuaí (MG). Com 36 mil habitantes, existem apenas 80 assinantes de jornais. Aos domingos, somente 12 exemplares de jornais são vendidos em banca. Para a professora, não basta ensinar a ler, é preciso democratizar o acesso aos livros.
Fernando Avendaño, professor da Universidade de Rosário, na Argentina, falou sobre experiências de incentivo à leitura que deram certo em outros países latino-americanos. "Um leitor não nasce leitor. Ele se faz lendo. Comecei a ler porque meu pai lia para mim Monteiro Lobato", disse Avendaño, imediatamente aplaudido pelo público que compareceu ao Minas Tênis Clube, quase todo formado por pedagogas e professoras. Na seqüência, o argentino fez uma crítica às instituições de ensino que empurram livros goela abaixo nas crianças, dizendo que "ninguém lê com um lápis na mão, sublinhando verbos com uma linha e substantivos com duas".
Entre as experiências citadas por Avendaño, a cidade argentina de Santa Fé imprimiu um milhão de livros e escolheu lugares improváveis para distribui-los, como shows de rock, jogos de futebol, presídios e estações de trem. No processo, voluntários liam trechos das obras em voz alta, atraindo a atenção das pessoas, que podiam levar um livro para casa.
Coisa semelhante fez a Colômbia, em locais com grande circulação de pessoas. No México, o movimento Libro Libre fez propaganda do "atentado poético", pedindo às pessoas que deixassem livros em locais públicos para que fossem encontrados por outras.
O Brasil tentou fazer o mesmo, mas não deu certo.
O escritor Carlos Heitor Cony concluiu a programação do congresso contando sua experiência de leitor. Dele veio a maior verdade sobre o assunto: "Prazer é o motivo de tudo da perpetuação da espécie humana à leitura."
Idéias
* Entre os eventos promovidos pelo 3.º Congresso Internacional de Educação, em Minas Gerais, ocorrem mesas-redondas e painéis com escritores e profissionais do meio editorial. Bartolomeu Campos Queirós, autor de livros infantis, defende a idéia de que, hoje, se vive em uma sociedade televisiva. "Pai, mãe e professora vêem tevê. Se eles lessem, não seria preciso pedir para criança ler. Ela leria."
* Para Queirós, não basta a escola se esforçar para formar leitores os pais desempenham também um papel fundamental. "A criança não aprende para ter um emprego melhor nem para passar no vestibular. Ela aprende para ser amada por aquele que sabe."
Números
100é o número mínimo de feiras literárias realizadas no Brasil todos os anos.
1.101municípios brasileiros não têm sequer uma biblioteca.
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