O multiculturalismo se tornou um valor que Mautner hoje defende com unhas e dentes| Foto: Divulgação

Filme

Jorge Mautner – O Filho do Holocausto(Brasil, 2013). Direção de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. Documentário. 93 min. Classificação indicativa: 10 anos. Espaço Itaú 1, às 19h40.

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O documentário Jorge Mautner – O Filho do Holocausto, em cartaz no Espaço Itaú de Cinema, faz uma viagem envolvente pela vida e obra do cantor, compositor e escritor carioca. Filho de imigrantes judeus oriundos da Áustria, que fugiram do genocídio orquestrado pelos nazistas na Europa, Mautner foi concebido antes de seus pais desembarcarem em terras brasileiras, e nasceu no Rio de Janeiro. Lá, já na primeira infância, travou contato com a cultura brasileira por meio da babá, uma jovem negra, filha de santo, que o embalava com sambas, cânticos de candomblé e um afeto muito particular, que o marcariam por toda a vida. O multiculturalismo o "contaminou" para todo o sempre e se tornou um valor que hoje defende com unhas e dentes como a solução para os males do mundo, sobretudo contra o fascismo do qual boa parte de sua família foi vítima na Europa.

Permeado por imagens documentais garimpadas nos acervos da Rede Globo (Cedoc), em arquivos pessoais, documentários sobre a Alemanha nazista e a Segunda Guerra Mundial, entre outros, o filme do jornalista e apresentador Pedro Bial e do cineasta Heitor D’Alincourt tem o que seus diretores chamam de "esqueleto básico", gravado em estúdio, no Rio de Janeiro, durante quatro dias. Parte dele é composto por apresentações de 36 canções de Mautner, entre elas clássicos como "Maracatu Atômico", "Lágrimas Negras" e "O Rouxinol", com o artista e sua banda atual, que conta com participações de nomes de ponta da novíssima geração da MPB, como o multi-instrumentista, arranjador e produ­­tor Alexandre Kassin e Do­­menico Lancelotti, percussionista, baterista e também produtor. Sem falar, é claro, de Hélio Jacobina, seu parceiro musical há décadas. Algumas canções são interpretadas com Caetano Veloso e Gilberto Gil, amigos de longa data.

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Também integram esse esqueleto depoimentos de amigos de infância e de adolescência, que compõem um mosaico bastante complexo de Mautner, sobretudo de seus anos em São Paulo, para onde sua família se mudou em um período no qual ele dividiu a casa com a mãe, o pai e o padrasto, que formavam um triângulo inusitado, vivendo todos sob o mesmo teto.

Na capital paulista, Mautner começou a escrever seu primeiro livro, Deus da Chuva e da Morte, aos 15 anos de idade. O livro seria publicado em 1962, quando o artista tinha 21 anos, e compõe, com Kaos (1964) e Narciso em Tarde Cinza (1966), a trilogia hoje conhecida como Mitologia do Kaos, base da filosofia fundada pelo músico e escritor.

Diálogo

Um dos pontos altos do filme, entretanto, é mesmo o diálogo entre Mautner e sua filha, Amora, nascida em 1976 e diretora de novelas na Rede Globo. Segundo Bial, a conversa foi longa, por vezes tensa, mas sempre terna. E proporciona ao filme momentos hilários, como quando Amora lembra que seu pai ia buscá-la na escola, no bairro carioca do Leblon, de sunga – e mais nada. E a matava de vergonha.

Outro trunfo do documentário é o resgate do longa-metragem experimental O Demiurgo, rodado em 1972 por Mautner em Londres, quando ele e sua então companheira, a historiadora Ruth Mendes, mãe de Amora, passavam uma temporada na capital inglesa. Participam do filme, hoje no acervo do Canal Brasil, mas ainda no aguardo de restauração, os grandes amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil, na época autoexilados na Europa.

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Ficaram de fora de Jorge Mautner – O Filho do Holocausto temas mais polêmicos da vida do biografado, como o envolvimento com as drogas e sua bissexualidade. Segundo Bial, essas foram opções decorrentes da relutância de Mautner em falar sobre esses assuntos.