Quando se fala em ícones do jazz, encontrar imagens de apresentações ao vivo é tão raro quanto neve em Curitiba. Só isso já bastaria para classificar como inevitáveis e imprescindíveis os DVDs Live at Montreux 1969 e (o nome é longo:) Norman Granz’ Jazz in Montreux Presents Ella & Basie – The Perfect Match ’79, estrelados pela primeira-dama do jazz Ella Fitzgerald (1917 – 1996).

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Dos dois, recém-lançados pela ST2 Video, o primeiro é melhor. O segundo tem 75 minutos de duração, mas somente 15 justificam o "combinação perfeita" do título. A maior parte do show (14 das 15 faixas), gravado no festival suíço, mostra Ella com a orquestra do pianista Count Basie (1904 – 1984), que só é chamado ao palco no final da apresentação para tocar "B & E (Basella)".

A música é genial e mostra a diva duelando com seu famoso scatch singing contra um saxofone e um trombone. O scatch, criado por Louis Armstrong, substitui as letras de canções por sons que não dizem nada ("escubidu-bada-bada-badi-bado-badu"), mas o efeito é melhor do que se imagina. Se a participação de Basie é pequena, o show tem momentos bons, como em "Round Midnight" e "Dindi", do brasileiro Tom Jobim (que virou "Chinji", de "Djobim", nas palavras de Ella).

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Ao contrário de The Perfect Match, Live at Montreux 1969 é em preto-e-branco e registra a primeira das seis participações da cantora no evento criado por Claude Nobs. Exatamente um mês antes de o homem pôr os pés na Lua, o festival realizava sua terceira edição. Seu formato já havia se consolidado – era preciso ao menos um grande astro ou estrela do jazz para justificar os gastos do governo da Suíça e render fundos para o ano seguinte. Em 1969, a grande atração foi Ella Fitzgerald.

Talvez inspirada pelo rock – no mesmo ano aconteceria o festival Woodstock –, Ella tentava dialogar com o público jovem e investiu em novas leituras para clássicos como "I Love You Madly" e encara até versões de "This Girl’s in Love with You", de Burt Bacharach, e Hey Jude, de Paul McCartney e John Lennon, lançada pelos Beatles menos de um ano antes. Fez escola. Hoje, cantoras como Norah Jones e Joss Stone investem também em canções de outros gêneros que não jazz – Joss, por exemplo, incluiu uma versão de "Fell in Love with a Girl", da banda americana The White Stripes, em seu disco de estréia The Soul Sessions. É hábito dos puristas torcer o nariz para experimentos assim. Melhor esses nem chegarem perto do DVD.

Embora cante "That Old Black Magic" e "A House Is Not a Home" – o mais perto que chega dos standards –, não existe qualquer sinal da cantora que construiu sua fama interpretando canções de George e Ira Gershwin e Cole Porter. Lá pelo final do show, manda ver no scatch e, sem esforço, faz o público rir e dançar.

Bastante à vontade no palco, cantando sobre um tapete e acompanhada pelo trio Tommy Flanagan (piano), Frank De La Rosa (baixo) e Ed Thigpen (bateria), Ella, de novo, interpreta uma canção de Tom Jobim (e dessa vez fala o nome direitinho). "Inútil Paisagem" virou "Useless Landscape" e, ufanismos à parte, é o grande momento do show.

Em 1933, quando tinha 16 anos, Ella foi levada a cantar na big band do baterista Chuck Webb pelo saxofonista Benny Carter, que a descobriu em um concurso de novos talentos realizado no Apollo Theater, do Harlem (bairro de Nova Iorque). Seis anos depois, Webb morreu e Ella assumiu as rédeas do conjunto. Em 1941, deu início a sua carreira-solo e, na mesma década, chegou a se apresentar com a banda do trompetista Dizzy Gillespie.

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Viveu uma infância pobre e meses antes de trabalhar para Webb, não tinha sequer onde morar. Como cantora, conquistou fama e respeito pela série de songbooks que gravou dos maiores compositores americanos – além de Porter e dos irmãos Gershwin, interpretou músicas de Duke Ellington, Johnny Mercer, Harold Arlen e outros. Ella faz parte do panteão das intérpretes de jazz, junto de Billie Holiday, Carmen McRae, Sarah Vaughan e Dinah Washington.

Live at Montreux 1969 – GGGG

Ella & Basie – The Perfect Match ’79 – GGG