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Mané da Cuíca: autor do primeiro samba-enredo do Paraná | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Mané da Cuíca: autor do primeiro samba-enredo do Paraná| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

A história dos sambas-enredo no Paraná começa com um cálice de licor ingerido em 1932. Ismael Cordeiro, então com cinco anos, já era espevitado. Tomou a dose e passou mal, a ponto de fazer com que seu pai, ferroviário em Ponta Grossa, tivesse que levá-lo de vagonete para Curitiba no meio da noite. Ficou em tratamento por alguns dias, tempo suficiente para que o quilômetro 108 da ferrovia – um pátio de manobras de trens anexo à ferroviária – tivesse um novo trabalhador e Curitiba um dos seus primeiros sambistas.

A família Cordeiro se instalou na Vila Tassi, já reconhecida por abrigar trabalhadores ferroviários que tinham no samba o momento de descontração.

"Comecei olhando ali, quietinho, os guris batendo e cantando. Passou o tempo e fui gostando da coisa. Na hora em que eles paravam para tomar o gorozinho eu batia no tamborim", disse Cordeiro, que aos 81 anos ainda faz questão de calçar indefectíveis sapatos brancos.

E toda tarde tinha samba na Vila Tasse. A casa de Cordeiro, que começava ali a virar o Mané da Cuíca, ficava onde hoje é o Moinho Anaconda. "Nunca estudei música, não entendo nada de música, mas um dia aprendi", explica Mané, em meio a quadros e troféus de carnavais passados.

A primeira composição foi um desafio. Pretendia ir a um baile na noite daquele sábado de 1944. Mas não tinha dinheiro. Foi quando ficou sabendo de um concurso da rádio PRB-2, que pagava 20 mil réis para quem cantasse uma música inédita. Mané demorou cerca de um quilômetro, distância de sua casa à rádio, para compor "Minha Preferida". E cantou. "Ainda me lembro quando eu era pequenino/ você já era um amorzinho. Você cresceu, eu cresci também / mas hoje pra você eu não sou ninguém. "

Os sambas na Vila Tassi continuavam diários, agora com a ajuda de Maé. Ora era na casa da dona Maria Pinheiro, ora na varanda da dona Anacleta. "Levávamos pó de café, pão, salame e avisávamos que a festa ia ser lá. A pinga não podia faltar também", conta o sambista, que passou a construir suas próprias cuícas e a organizar passeatas festivas – e musicais – durante os carnavais da cidade: embriões dos desfiles.

A Escola de Samba Colorado foi fundada em 1946, mas já no ano anterior desfilou, fazendo com que mais de 400 pessoas a seguissem. Vencer o preconceito e levar o samba às ruas de Curitiba foi a missão de Maé. "Tínhamos medo porque naquela época havia muita coisa. Sambista, preto e pobre eram muito discriminados", contou.

Da Vila Tassi, a pequena multidão subiu a Rua Sete de Setembro até a estação ferroviária. Alcançaram a Rua XV de Novembro e foram até a Boca Maldita. De lá, voltaram para a Rua XV e entraram no antigo Bar Cometa, que, comovido pela novidade, serviu os músicos com cerveja e sanduíches – em troca de música.

A sscola foi crescendo e ganhando admiradores. Mas aí veio o samba-enredo "Vila Tassi", em 1949. "Quem diria que a Vila Tassi ia se acabar / quem diria que só três casas iriam ficar."

O dono das terras desapropriou a maioria dos moradores, transferindo o samba de todas as tardes para um espaço no estádio Durival Britto, utilizado também como refeitório dos jogadores do Ferroviário.

Ismael Cordeiro foi presidente da escola por 35 anos, por mais que quisesse só "bater tamborim e tocar cuíca". A Colorado desfilou pela última vez há quase dez anos e cantou inúmeros sambas-enredo feitos pelo Mané. Outros cerca de 20 sambas-lamento estão na conta do músico, que, nas paredes do pequeno apartamento no edifício Barão do Cerro Azul, em Curitiba, ostenta inúmeros troféus, quadros e outras tantas fotos de seus três filhos e de seus "quase 30 netos". Lado a lado com cuícas já embaçadas pelo tempo. (CC)

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