Favoritismo
Confira a seguir a lista de prêmios recebidos pelo documentário Searching for Sugar Man, que conta a história do músico Sixto Rodriguez:
Indicado ao Oscar de melhor documentário em longa-metragem.
Eleito melhor documentário pelo Critics Choice Awards e pelo National Board of Review.
Vencedor dos prêmios do público e do júri especial no Sundance Film Festival.
Premiado na categoria melhor documentário nos festivais de Amsterdã (Holanda), Atenas (Grécia), Durban (África do Sul), Los Angeles (Estados Unidos), Melbourne (Austrália), Moscou (Rússia), Oslo (Noruega) e Vancouver (Canadá).
Nos dois primeiros anos da década de 1970 a indústria musical inglesa e norte-americana lançou à velocidade da luz uma profusão de álbuns que se tornariam clássicos de todos os tempos. São dessa época discos como Let It Be (The Beatles), After the Gold Rush (Neil Young), Fun House (The Stooges), III e IV (Led Zeppelin), Hunky Dory (David Bowie), Bridge over Troubled Water (Simon & Garfunkel), Whats Going On (Marvin Gaye), entre muitos outros.
Natural que, em meio a tantos artistas de qualidade e diante da impaciência dos executivos das gravadoras em investir em nomes desconhecidos, músicos de enorme talento acabassem passando batidos aos ouvidos do público. É o caso do inglês Nick Drake (1948-1974), que lançou três obras-primas entre 1969 e 1972 Five Leaves Left, Bryter Layter e Pink Moon , mas permaneceu no anonimato. Faleceu em 1974, aos 26 anos, após uma overdose de antidepressivos que muitos diziam estar relacionada à falta de reconhecimento a seu trabalho. Tornou-se famoso apenas em meados dos anos 1990 e hoje seus discos são valiosas relíquias em todo o mundo.
A história de Sixto Díaz Rodriguez, músico de origem mexicana, nascido e baseado em Detroit, nos Estados Unidos, lembra muito a de Nick Drake, mas com uma diferença fundamental: Rodriguez viveu para experimentar a glória de seu recente revival, mesmo que muitos de seus fãs já o tivessem dado como morto.
Origens
Trabalhador da construção civil e morador da periferia de Detroit, Rodriguez compunha em seu violão canções folk de letras politizadas que refletiam sua própria realidade. Tímido, costumava se apresentar, de costas para a plateia, em um boteco enfumaçado chamado The Sewer (esgoto, na tradução), onde foi descoberto em 1970 por dois produtores da Sussex Records, selo criado pelo executivo Clarence Avant (Motown). Naquele mesmo ano, Rodriguez lançou seu primeiro álbum, Cold Fact, que obteve uma vendagem mínima, apesar da excepcional qualidade de canções como "Sugar Man", "I Wonder" e "Crucify Your Mind". No ano seguinte, seu segundo disco, Coming from Reality, revelou-se mais um fracasso comercial. Rodriguez foi dispensado da Sussex Records e voltou para a vida de trabalhador braçal.
Sua aura de mistério, no entanto, nunca deixou de existir. Alto, moreno, de fortes traços hispânicos e voz mansa, Rodriguez sempre foi uma espécie de lenda na periferia de Detroit. Era estiloso até quando ia trabalhar no canteiro de obras: sempre de terno, sapatos de bico fino, óculos escuros e cabelos longos, parecia uma espécie de dândi entre os demais. Seu nível de instrução era igualmente diferente do de seus colegas após abandonar a carreira musical, Rodriguez frequentou a Wayne State University (WSU), em Detroit, onde se graduou em Filosofia.
Do outro lado do Atlântico
Mal ele imaginava que, enquanto esfolava seus longos e delicados dedos carregando tijolos e sacos de cimento em Detroit, do outro lado do mundo, na África do Sul, sua música era idolotrada por uma legião de fãs. Em meados dos anos 1970, as canções de Cold Fact se espalharam como um vírus mortal pela Cidade do Cabo em fitas cassete. O début de Rodriguez ganhou uma edição africana somente em 1976 e os versos libertários de canções como "I Wonder" e "The Establishment Blues" logo se tornaram slogans da classe média liberal na luta contra o apartheid e o conservadorismo cultural que imperava no país.
Mas as edições africanas dos discos de Rodriguez (assim como as norte-americanas) traziam poucas informações sobre o músico. Nem mesmo os selos responsáveis pelo lançamento de seus álbuns na África do Sul sabiam ao certo quem era Rodriguez e se ele ainda estava vivo. Logo, começaram a circular as mais bizarras histórias: Rodriguez havia cometido suicídio. Em uma das versões, o músico teria espalhado combustível em si mesmo durante um show e acendido um fósforo, queimando até a morte diante da plateia. Em outra, Rodriguez, desapontado com uma apresentação, teria sacado uma arma do bolso e atirado na própria cabeça. Um terceiro boato dava conta de que o músico teria morrido de overdose na cela de uma prisão.
Ninguém sabia, mas nada disso era verdade. O pedreiro Sixto Rodriguez continuava firme e forte, morando na mesma casa em que compôs as canções de seus dois álbuns e executando trabalhos pesados que muitos jovens recusariam. Pai de três filhas, vivia sem nenhum luxo, sem nunca ter visto um tostão do valor arrecadado com as centenas de milhares de discos seus vendidos em países como África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Cabia aos fãs descobrir a verdadeira história de Rodriguez. E eles, incrivelmente, o fizeram.
DocumentárioEnfim, o reconhecimento
No fim dos anos 1990, obstinados fãs africanos que não acreditavam no suicídio de Sixto Rodriguez deram início a uma caçada ao músico pela internet. Todas as etapas dessa procura são narradas em Searching for Sugar Man, premiado documentário dirigido pelo cineasta sueco Malik Bendjelloul (veja a lista de prêmios recebidos pelo filme nesta página).
Do início e até a metade do longa-metragem, Rodriguez é tido como morto. Partindo da Cidade do Cabo, na África do Sul, Bendjelloul dá ao espectador a verdadeira noção da importância do músico no país. "Maior que os Rolling Stones? Sim, muito maior que os Rolling Stones!", afirma o executivo de uma das gravadoras africanas que lançou os álbuns de Rodriguez naquele continente.
É o comentário de uma das filhas do músico em um site criado por um dos fãs de seu pai que traz à tona a história surpreendente e inacreditável de Rodriguez: ele está vivo e nunca saiu de Detroit, nos Estados Unidos. A primeira cena em que ele aparece em sua forma atual, aos 70 anos, é simplesmente emocionante.
Para convencer Rodriguez a filmar, o cineasta teve de ir a Detroit em seis ocasiões diferentes. Conseguiu o aval do músico, mas não o controle de sua timidez. Rodriguez fala pouco, sempre com a voz baixa e quase nunca olha diretamente para a câmera. Mas toca e canta, tão bem quanto nos anos 1970.
Além de que está vivo, descobrimos que Rodriguez já foi candidato à prefeitura de Detroit e que ele nunca recebeu um tostão pelos discos vendidos na África do Sul e em países vizinhos. O vilão da história? Clarence Avant, executivo da Sussex Records que, durante a entrevista presente no documentário, quase ameaça o repórter. "Ele não é rico", diz Regan, uma das três filhas do músico, "ao menos não em coisas materiais."
A riqueza dele está nos valores morais. Humilde, Rodriguez diz não ter certeza de que sua vida teria sido melhor caso ele tivesse tido ciência do sucesso que fazia na África do Sul. E, em nenhum momento, ele esboça qualquer sinal de amargura pelo reconhecimento tardio a seu trabalho. Quando viaja à Cidade do Cabo, para uma série de shows com ingressos esgotados, o que se vê é um músico feliz e impressionado com algo que ele jamais imaginou existir. Ao voltar a Detroit, volta a ser o mesmo senhor bem vestido e solitário, caminhando pelas calçadas da periferia sem ser reconhecido.
Esse reconhecimento está totalmente atrelado à busca detetivesca mostrada em Searching for Sugar Man. "Esse filme transformou a minha vida. E apareço nele por somente oito minutos!", disse um risonho Rodriguez, em entrevista ao programa de tevê de David Letterman, em agosto de ano passado.