Em 2005, quando o dramaturgo inglês Mark Ravenhill escreveu a peça Produto, o Reino Unido havia acabado de sofrer o segundo maior atentado terrorista de sua história. Motivados pela participação da Grã-Bretanha na Guerra do Iraque, quatro britânicos muçulmanos, três paquistaneses e um jamaicano explodiram três trens do metrô londrino e um dos famosos ônibus de dois andares que circulam por toda a capital inglesa, deixando centenas de feridos e 52 vítimas fatais.
Passado o choque inicial, não tardaram surgir piadas politicamente incorretas sobre o assunto, como acontece com qualquer grande tragédia do Holocausto ao 11 de Setembro. Rir do medo de sentar ao lado de um cara vestido com túnica e turbante no metrô ou no avião tornou-se lugar comum em todo o mundo, mais especialmente nas cidades em que árabes e paquistaneses compõem grande parte da população, como em Londres, por exemplo.
No Brasil, a situação é bem diferente. Talvez por isso mesmo, trazer a peça de Ravenhill para os palcos nacionais, ideia do ator e diretor carioca Ary Coslov (fã incondicional do escritor inglês), tenha causado uma certa perda do humor do texto original. Impecavelmente interpretado por Coslov, o protagonista um insano diretor de cinema passa os 60 minutos da montagem contando a absurda história de seu próximo filme para uma jovem (e muda) atriz em ascensão, que ele deseja incluir no elenco de seu longa a qualquer custo.
O enredo acaba se revelando uma espécie de continuação torta de Bridget Jones. Só que, desta vez, a solteirona carente e profissionalmente bem-sucedida extrapola um pouco os limites. Após perder o marido no atentado às Torres Gêmeas, se apaixona cegamente por um terrorista da Al-Qaeda durante uma viagem de avião. Em busca do amor eterno ela topa tudo se joga de uma de uma janela com o corpo em chamas e invade uma prisão de segurança máxima para salvar seu amado homem-bomba, entre outros feitos.
Enquanto crítica à falta de noção da indústria cinematográfica hollywoodiana e suas jovens atrizes belas e burras, Produto funciona bem e tem muita graça. Mas o deboche desmedido à religião muçulmana e ao estereótipo árabe = terrorista faz rir mais os ingleses do que os brasileiros. No fim, fica uma sensação de gargalhada forçada por parte da plateia, ávida por assistir a uma comédia que realmente tenha graça e sentido.
A última sessão de Produto acontece hoje, às 21 horas, no Teatro do Sesc da Esquina.
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