A Fundação Cultural de Curitiba vai cobrar na Justiça documentos que comprovem como foi gasto o dinheiro destinado pelo município à Lei de Incentivo à Cultura. Os responsáveis por 95 projetos que foram (ou deveriam ter sido) financiados com verba de impostos serão processados civilmente. O valor total da execução das propostas está estimado em mais de R$ 6 milhões. Nem todo esse dinheiro vem de incentivo fiscal. Alguns projetos custam mais de R$ 100 mil. Pela atual lei municipal, apenas R$ 88 mil de cada proposta podem ser financiados por meio do sistema de mecenato.
Os projetos que ainda não prestaram contas à fundação vêm das mais diversas áreas: cinema, teatro, literatura, música, museus, entre outros. Além de prestar contas, os produtores poderão ter de pagar uma multa. Enquanto não regularizarem sua situação, também ficarão impedidos de receber novamente dinheiro por meio da prefeitura.
A decisão de enviar a cobrança para a Justiça é do presidente da FCC, Paulino Viapiana. Desde que assumiu o cargo, no começo do ano, ele resolveu mudar as regras do processo de incentivo à cultura. Ele está, nesse momento, preparando os retoques finais da revisão da lei. Ao mesmo tempo, tentou acabar com a fila de projetos que esperavam financiamento, para dar início a uma nova seleção, começando do zero, em 2006. Para completar o processo, resolveu cobrar os documentos de quem ainda estava com pendências com o poder público.
A partir de agora, Viapiana diz que a cobrança judicial será um mecanismo comum para exigir que os empreendedores cumpram com o que está escrito no contrato. "Ao ter o projeto aprovado, eles se comprometem a prestar contas", diz ele. Pela lei, o responsável pela idéia tem dois anos para arranjar o dinheiro a partir do momento em que sua proposta foi aprovada pela comissão municipal. Depois disso, precisa realizar o projeto e, em 30 dias, levar à FCC os documentos que comprovam o bom uso do dinheiro. "Em muitos casos, isso não está acontecendo", afirma Viapiana.
Os nomes dos empreendedores que estão em dívida com a prefeitura foram levados há duas semanas para o procurador-geral do município, Ivan Bonilha. Ele é o responsável por dar andamento aos processos. "As ações vão correr nas varas da Fazenda", comenta ele. Para o procurador, em cada caso há duas possibilidades. Ou o realizador levou o projeto até o fim, e só não prestou contas, ou nem mesmo tocou o projeto. O segundo caso é considerado muito mais grave, já que o dinheiro chegou a ser captado. Quem tiver ficado indevidamente com dinheiro, terá de devolvê-lo, mesmo que precise vender os próprios bens materiais. No entanto, o procurador acredita que o número de projetos não-realizados seja pequeno.
Prazo
Alguns empreendedores que estão na lista levada à procuradoria questionam os prazos dados pela prefeitura. Eles afirmam que nem sempre é possível fazer tudo dentro dos limites impostos pela lei e que, por isso, ainda não levaram as suas prestações de contas à fundação. "O prazo é muito pequeno", diz Maurício Appel, produtor cultural responsável pelo projeto Serenatas com Músicas Folclóricas em Curitiba. Ele afirma que ainda não conseguiu captar todo o dinheiro para sua proposta, aprovada em 2001, e conta que pediu prorrogação de prazo à fundação. "Mas eles querem que a gente faça de qualquer jeito", comenta.
Marino Júnior, ator e produtor da Companhia Máscaras de Teatro, concorda que às vezes possa ser difícil cumprir os prazos legais. A companhia, ligada ao Teatro Lala Schneider, tem três projetos próprios na lista de inadimplentes. Segundo Marino, Pinóquio e A Guerra Dentro da Gente já foram realizados nesse caso só falta reunir os documentos. Já a situação de Grease É a Magia dos Anos 50? é diferente. "Demoramos para conseguir empresas que bancassem o projeto", comenta ele. Depois disso, o grupo ainda precisou esperar uma época em que o elenco estivesse todo disponível para fazer o espetáculo, que está atualmente em cartaz, quase dois anos depois do prazo.
Há quem seja mais crítico com a decisão da Fundação Cultural. É o caso do cineasta Eduardo Sigaud. Ele é co-responsável por três filmes aprovados pela lei municipal: Tubo, Notícias de um Mundo Distante e Asas de Curitiba. Todos estão prontos ou em fase de finalização. Tubo já foi apresentado no Festival de Brasília. Sigaud admite que errou ao não cumprir os prazos, mas diz que isso aconteceu devido a problemas de saúde na família dele. "Sei que estou errado", afirma. "Mas o problema é que tratam a gente sempre como suspeito, como bandido", diz o cineasta, que afirma estar pensando em ir morar em outra cidade. "Estou há oito anos aqui tentando fazer filmes bons, mas não dá", conta.
Para a Fundação Cultural, porém, as regras são definidas e precisam ser cumpridas. O presidente da instituição, Paulino Viapiana, pensa inclusive em deixar o regulamento mais rígido. "Queremos que quem deixe de apresentar a documentação, fique numa espécie de quarentena. Serão quatro anos, por exemplo, em que o produtor não poderá se inscrever de novo no programa de incentivo", afirma.
Como funciona
A Lei Municipal de Incentivo à Cultura é um mecanismo de renúncia fiscal que permite às empresas bancar projetos culturais. A cada ano, a prefeitura permite que as empresas instaladas na cidade deixem de pagar em impostos o equivalente a 2% de sua receita em IPTU e ISS. Atualmente, isso equivale a cerca de R$ 10,5 milhões.
Para receber a verba, os produtores culturais precisam apresentar seus projetos à Fundação Cultural de Curitiba. A primeira etapa é o julgamento e seleção dos projetos. Quem fica responsável por esse processo é uma comissão de sete integrantes nomeada pelo prefeito.
Depois de aprovado, o produtor tem dois anos para ir à luta e conseguir convencer as empresas a destinar o que pagariam em imposto para o projeto culrural. Com o dinheiro na mão, o produtor tem a obrigação de realizar seu projeto e de prestar contas ao município, para mostrar como o dinheiro foi aplicado.
Números
95 projetosfinanciados pela Lei de Incentivo à Cultura estão sendo levados para a Justiça.
R$ 10,5 milhõesé o total de verba que a prefeitura estima que haverá para a cultura no município em 2006.
R$ 88 milé o valor máximo que cada projeto pode receber por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
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