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Na noite do último sábado (29), o público ameaçou "não parar mais" de aplaudir, em pé, o ator Silvero Pereira, por sua performance no monólogo BR Trans, dirigido por Jezebel De Carli. Silvero – com pressa de agradecer – só faltou dizer "chega". Foi emocionante. E engraçado. O pequeno auditório do Teatro Paiol quase veio abaixo, ao que se pode contra-argumentar dizendo que a plateia era parte interessada no assunto. Todas as cores da palheta trans estavam ali representadas, mas é melhor não subestimar os gritos de "bravo" distribuídos sem economia: nenhum berro veio de graça.

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BR Trans é um espetáculo "estudado" da primeira à última fala. Todos são, ou deveriam ser, é verdade. Mas esse o faz com ciência tal que deveria ser assistido por homens e mulheres, trans ou não, interessados em fazer amigos e influenciar pessoas, como ensinou Dale Carnegie em vidas já quase passadas. Para os que possam achar uma ofensa comparar a dolorosa exposição do mundo trans com a autoajuda corporativa e outras drogas, fica a lembrança de que nenhum homem ou mulher trans consegue sobreviver sem estratégias. BR Trans, nesse sentido, é imitação da vida.

O primeiro sinal que Silvero manda à plateia é o de que está só, como a imensa maioria dos trans, e que estar só tem um preço. Não chora a própria sorte - mexe-se. Ele faz a luz, o cenário, veste-se às pressas, veloz e mecânico. Depois põe as pessoas para rir, e muito. Não existe truque mais trans. Elas e eles, afinal, são aceitos se divertem ou se são tema de pilhéria.

Se o ator dissesse isso à viva voz, BR Trans seria um panfleto barato. Por isso prefere jogar. No lugar do discurso inflamado, uma boa piada para contar em casa. Tivesse 10 minutos de duração, e não 70, a salva de palmas seria tão intensa quanto viria no instante em que o autor apresenta seu alter ego, Gisele Almodóvar, filha de Gisele Bündchen e Pedro Almodóvar. Tudo num lustroso castelhano. Destaque para a homenagem hilária à trans Agrado, de Tudo sobre minha mãe.

O resto é vertigem. De Gisele, Silvero vai se fragmentando em uma dezena de outras mulheres trans, travestis, transformistas, mas agora na intimidade. Algumas histórias são curtíssimas, quase um estalar de dedo. Outras são tão escuras parecem subverter os minutos. Pesam às costas. A essa altura, o ator pode tudo. Já nos ganhou com sua Gisele. Ela era o ingresso de que precisava para nos colocar numa montanha russa emocional. E esse é o ponto.

O resultado da equação biográfica proposta em BR Trans tem mais dor do que delícia. É como se Silvero nos girasse, girasse, com prazer, e depois nos soltasse. A gente cai. Levanta. Quer brincar mais um pouco, porque ele manja dos sentimentos contraditórios da plateia. Que quer vê-lo de novo virar menino, virar menina. É um jogo meio sádico, pois ao mesmo tempo em que nos arrebentamos de rir com, por exemplo, seu Hamlet transexual, temos vertigem com as imagens de corpos de travestis mortas, mancheteadas por jornais sensacionalistas, projetadas na parede do teatro como carne barata. É pura verdade escrita com crueldade na pele dessa gente.

A propósito, além dos vídeos que acompanham a transmutação de Silvero em tantas mulheres trans, o ator usa da palavra. Escreve nomes no corpo – Dani, Babi... É um recurso certeiro. Os poucos objetos em cena são convertidos em quadros de giz. Em meio aos tantos elementos simbólicos usados em cena, esse é o mais forte. BR Trans escreve a história daquelas cujo nome é uma legenda na foto do corpo estendido no chão.

"Banheiro", escreve o ator num baú, a personagens tantas. O Brasil é o lugar em que o massacre das trans passa pela negação do direito a um banheiro – em especial na escola. E como dizem os experts em mundo corporativo, não confie numa empresa que não conseguiu resolver nem o problema do WC. Isso vale para um país. De modo que se houvesse palavra para definir BR Trans, seria "manifesto". Nunca um manifesto careta, com frases prontas, mas um manifesto que nasce do testamento das mulheres que confiaram ao ator suas confissões.

BR Trans, lembre-se, nasceu da oficina As travestidas, feitas por ele no Ceará, seu estado natal, e em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, seu laboratório. A peça funciona como observatório – o que se vê é uma parte de uma vivência teatral que não cabe no palco. Dá para arriscar dizer que os aplausos são para o conjunto dessa obra. E para a interpretação de "Geni", de Chico Buarque, um truque tão bem usado quanto Gisele dizer que "mi papá es Pedro Almodóvar". Contar mais a respeito roubaria a graça. Mas saibam que foi aí que o público se levantou para não mais parar. Deu certo. Silvero faz amigos e influencia pessoas. Deu vontade de escrever na pele: "BR Trans, eu vi".

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