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Em Rimbaud, o homem ofusca o poeta. Esse embate é evidente no filme O Eclipse de uma Paixão (1995), de Agnieszka Holland. Mais preocupada em falar da relação homossexual e destrutiva de Rimbaud (Leonardo DiCaprio) com o poeta Paul Verlaine (David Thewlis), a cineasta polonesa acabou dando pouca atenção à poesia.

Por acaso, a Hedra acaba de publicar A Voz dos Botequins e Outros Poemas, uma amostra dos talentos de Verlaine, na tradução clássica de Guilherme de Almeida (1890-1969).

Como qualquer outra situação, o interesse na imagem de Rimbaud também tem pelo menos dois lados. Esse culto à personalidade, uma característica das últimas décadas, pode atrapalhar a apreensão da obra. Porém, há quem se aproxime da poesia só porque teve contato com o mito. A atenção dada à vida de Rimbaud seria então uma porta de entrada para os versos. Pense que a biografia tida como a mais importante em língua francesa, publicada em 2001 e citada por Edmund White, foi escrita por Jean-Jacques Lefrère e soma, sozinha, 1.242 páginas. É sensato supor que já se publicou dezenas de milhares de páginas sobre ele. Se considerarmos os trabalhos acadêmicos, pode pôr centenas de milhares sem medo de errar.

A importância para as letras universais do homem que morreu aos 37 anos, corroído pelo câncer e com uma perna amputada por causa de um tumor, pode ser explicada numa frase simples: ele mudou a história da literatura. Não bastasse isso, cometeu o suicídio poético mais atordoante de que se tem notícia, ao abandonar as letras sem pestanejar. "Seu gesto de virar as costas para a Europa é muito significativo", diz Rodrigo Garcia Lopes, que traduziu Rimbaud com Maurício Arruda Mendonça em Iluminuras.

Entre os feitos do francês, Garcia Lopes lista o ataque ao Romantismo, a ruptura com a forma e o conteúdo da poesia, a necessidade de ser "absolutamente moderno" e de imergir por completo em seu tempo.

"Rambô"

Pense em Marcel Proust, Jack Kerouac, Mario Vargas Llosa, Pablo Neruda, Roland Barthes, Jean-Paul Sartre. Todos já pararam para pensar em Rimbaud e, a certa altura, falaram dele. Bob Dylan fez "rambô" rimar com "go" nas letras de "You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go". Jim Morrison (The Doors) venerava o francês.

Para Augusto de Campos, "Rimbaud é, sem dúvida, um dos grandes inovadores da linguagem poética, na raiz da modernidade. Se não elude ou desestrutura a sintaxe tão fundamente como Mallarmé, se não conflita, no mesmo grau, palavra e significado, desestabiliza a semântica poética com as associações insólitas de sua imaginação e a violência do seu vocabulário, corrói os limites entre prosa e poesia, consciente e inconsciente".

Começar a ler poesia – e a de Rimbaud, para ser específico – é entrar para um mundo com valores próprios. Se duas boas traduções de um mesmo romance têm diferenças sutis e elas dificilmente vão alterar a compreensão do livro, na poesia, as escolhas do tradutor pesam mais.

O compromisso das palavras com os versos, rimas e imagens cria situações difíceis para a tradução. Em alguns casos, impossíveis.

Rimas

Edmund White, o ensaísta-biógrafo, analisando "O Barco Bêbado" (confira versos de Rimbaud espalhados por esta edição), diz que o poema "é amplamente reconhecido como uma obra-prima de rimas sutis, mas rimas tão descontraídas que são quase indetectáveis, sobretudo em meio ao assalto de imagens tão surpreendentes e de uma sintaxe intrincada e sinuosa entrelaçadas por uma complexidade de particípios presentes e passados e frases colocadas em aposição a nomes – uma gramática que de fato está sempre propondo cenas hipotéticas que se misturam como uma realidade palpável e em seguida voltam a se dissolver em alguma coisa pretérita, apenas relembrada".

A descrição de White e toda a bajulação para Rimbaud só fazem sentido quando você lê a obra do menino terrível, o enfant terrible da poesia.

"Para mim, a imagem de Rimbaud é meio como aquela miragem, aquela onda de calor que se vê nos desertos", diz Garcia Lopes. "Ela sempre vai nos fugir."

Fora a poesia, o que sobrou dele está enterrado no cemitério de Charleville, a cidade em que nasceu. (IBN)

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