Mariana dança o “Dom Quixote”.| Foto: Nilson Bastian /Divulgação

Primeira estrangeira a fazer parte da companhia do Bolshoi, em Moscou, a brasileira Mariana Gomes vive um momento único em sua vida. Ela está no Brasil participando das apresentações da companhia, que não vinha ao país desde 1999.

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A mineira, natural de Belo Horizonte, se criou na Bahia e, aos 14 anos de idade, se mudou pra Joinville-SC para estudar na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Como em um conto de fadas daqueles dos balés de repertório, Mariana chegou onde achava que seria possível só nos sonhos. Quando recebeu o convite de Vladmir Vassiliev para estagiar em Moscou aquele parecia ser o ápice. Mas, ao final do estágio, acabou recebendo o convite para permanecer na companhia como bailarina contratada.

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Mariana está em São Paulo e conversou por telefone com a reportagem da Gazeta do Povo. Ela contou como foi o processo de adaptação na Rússia, tanto com as questões culturais quanto as burocráticas. E mesmo completamente adaptada, 10 anos depois, ainda tem desejo de voltar ao Brasil quando for a hora certa. Na semana passada, a bailarina dançou “Spartacus” no Rio de Janeiro e, esta semana, apresenta Giselle na capital paulista. Os ingressos estão esgotados.

Você já viajou pelo mundo com a companhia, mas como está sendo para você dançar aqui no Brasil?

Está sendo bem diferente. O público brasileiro é mais caloroso do que estamos acostumados. A emoção é maior também, afinal, o Bolshoi raramente vem para o Brasil. Para mim tem sido uma oportunidade única, principalmente por estar em casa com as pessoas que me apoiaram desde cedo, antigos patrocinadores, família, amigos... É mais que especial.

Você esperava tanto assédio e convites para entrevistas com a vinda da companhia ao Brasil?

Não esperava. Pensei que fosse mais simples, na verdade. Todos os dias, tenho ensaios, espetáculos, entrevistas, sessão de fotos, participação em rádio e TV... A repercussão está sendo ótima. Como artista, é muito importante ser reconhecida pelo meu trabalho.

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Mariana foi a primeira estrangeira a entrar para o Bolshoi de Moscou. 

E consegue separar um tempo para encontrar os amigos e família?

Meu pai veio em um sábado para o Rio de Janeiro, mas não consegui ver ele direito. Apenas passamos minha hora de almoço juntos e ele assistiu ao ensaio geral e ao espetáculo. Minha mãe chega no próximo sábado também, mas vou ter pouco tempo para passar com ela. Tenho muitos amigos chateados comigo por eu não conseguir dar muita atenção a eles por conta dos compromissos (risos). Os bailarinos querem que eu mostre pontos turísticos do país, mas também não tenho muito tempo livre. Nunca passei por uma situação de realmente não conseguir conciliar tudo.

Além de você, outros brasileiros participam da companhia?

Isso. Tem mais dois, que começaram na Bolshoi de Joinville. Ano que vem mais um bailarino, que estudou em Moscou mesmo, estará entrando para a companhia.

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Como é a sua rotina lá na companhia?

São seis dias de trabalho por semana e um de folga. Os ensaios diários duram em torno de seis a 10 horas. Os espetáculos terminam tarde, entre 22h e 23h. É o tempo de chegar em casa, dormir, acordar e ir para o teatro de novo. Os horários são super corridos. Temos duas a três horas de almoço, mas geralmente usamos esse tempo livre para ensaiar os solos. No meu caso, fiz faculdade de Pedagogia em Dança Clássica por quatro anos nesse período de intervalo. É bem corrido mesmo. Chegamos a ter 26 espetáculos por mês no inverno. Um dia de folga acaba sendo pouco para colocar a vida em dia, conciliar e ter lazer com os amigos. Nesses 10 anos de Bolshoi, meu mundo é a companhia mesmo.

O que você destacaria dos hábitos russos?

O frio (risos). Além de o país ser muito frio, as pessoas também são. Tem que vencer essa barreira para conhecê-los melhor. Em dois anos de Rússia, você não consegue se enturmar, precisa de mais tempo para desenvolver os relacionamentos. A comida é bem especifica, voltada para o clima do país, com bastante gordura. Diferente dos brasileiros que tomam muito café, os russos tem o hábito do chá. Estranhei bastante no início. O ruim mesmo é não encontrar palmito e mamão (risos).

O custo de vida em Moscou é alto?

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Altíssimo! Sem a ajuda dos patrocinadores, seria praticamente impossível me manter sozinha no país apenas com o salário de bailarina, que não é dos maiores. Não se é bailarino por dinheiro. É por amor mesmo. Trabalhamos pelo prestígio de fazer parte da companhia Bolshoi.

E como foi o início da sua carreira em Joinville (SC), com quantos anos você começou a dançar e como foi sua trajetória?

Meu primeiro contato com o balé foi na TV Cultura, enquanto transmitia o espetáculo “A Bela Adormecida”, do Bolshoi mesmo. Quando dizia que seria bailarina, minha mãe respondia ser algo muito difícil, circunstância que acontecia com um em um milhão, tipo como o Airton Sena. Mas então eu disse que seria esse um em um milhão. Eu era sempre a melhor aluna na escola regular, sempre ganhava desconto. E com o desconto, falei pro meu pai me colocar no balé. Balé amador em Salvador dos 7 aos 14. Com 14, quando descobri o Bolshoi Brasil, fui fazer o teste. Passei, entre as selecionadas. Professores russos, super profissionais, dia a dia corrido, morei sozinha logo que entrei na escola. Vivi várias aventuras, por sem uma criança praticamente e já estar numa escola super profissional. No final dos estudos, fui convidada pelo Vladimir Vasiliev. Que sempre vinha para os ensaios da escola. Vieram escolher uma menina para estagiar no Bolshoi de moscou por um ano. Então começou a busca pelos patrocinadores e tudo mais. A ideia era apenas fazer o estágio e voltar, até porque ninguém pensava que o Bolshoi contrataria um estrangeiro. Isso nem passava na minha cabeça. Eu sonhava com aquilo, o estágio seria ótimo e ponto.

E como foi quando recebeu o convite para ficar?

No final do estágio, o diretor me ofereceu para continuar trabalhando com eles. No final tinha uma leve expectativa, uma ilusão, um sonho e que seria como todas elas. Mas o Bolshoi nunca tinha feito isso e quando o diretor ofereceu fiquei super feliz e disse que ficaria de qualquer maneira. E começou a aventura de trabalhar lá. Ela tinha que retirar o salário no caixa por ser estrangeira, porque o banco não aceitava passaporte. Não sabia fazer visto de permanência e o Bolshoi também não, nem visto de trabalho. Já recebi contive para cidadania duas vezes. O Bolshoi ofereceu a primeira vez e neguei e, na segunda vez, agora que recebi a licença de moradia, eu disse não precisava da cidadania. Os russos estranham “como assim você não quer ser russa?”, mas estou bem e muito feliz como brasileira (risos).

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Hoje em dia, você já se sente mais integrada. Ainda sente dificuldades por ser estrangeira?

Hoje não. Estou totalmente enturmada. Uma amiga que não via há 10 anos disse que estou totalmente russa. Eu não percebo, mas as pessoas falam que com o tempo você acaba mudando. Amo o Brasil, sinto o cheiro de casa quando chego no aeroporto, mas a minha vida agora está em Moscou.

Você consegue acompanhar o cenário da dança aqui no Brasil?

Acompanho pela internet sempre. Acho que está crescendo bastante, temos muitos bailarinos bons no mundo inteiro, inclusive no Royal Opera House, em Londres. O nível só tem a crescer. Infelizmente, sinto que os bons bailarinos acabam saindo do país, pois procuram um mercado fora. O Brasil ainda não tem muita plateia pro bale clássico. Tem que formar uma plateia.

Futuramente, você pensa em contribuir para a cultura do bale clássico aqui no Brasil?

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Claro. Tenho essa ambição de um dia voltar. Atualmente isso é difícil, pois ainda sou bailarina e preciso do público, e aqui não encontro isso. Quando minha vida nos palcos acabar, com certeza queria me dedicar ao meu país. Reeducar, começando pelas crianças. O que eu puder fazer acho que vai ajudar. Não tenho ambição de ficar fora para sempre. Essa é minha realidade hoje porque é o que preciso como bailarina. Espero ter as portas abertas no brasil.

Quais são seus papéis de solo na companhia?

Nesta turnê estou no corpo de baile de primeira categoria. São os bailarinos que dançam nas primeiras filas, participam de todas as turnês. Acaba que ganhamos mais que um solista porque dançamos mais, trabalhamos mais, em todos os espetáculos. É mais difícil do que ser primeiro bailarino, porque eles apenas dançam um espetáculo, mas o corpo de baile primeira categoria está em todos, é um trabalho atlético. Solos vem de vez em quando, como uma oportunidade, não é rotina. No Quebra Nozes, dancei a boneca colombina, meu papel favorito. Fiz solo também em Carmen, na Bela Adormecida.

Ter sucesso no balé envolve oportunidades, ter um bom físico e diversos outros fatores, mas o que você diria a jovens bailarinas que sonham ser uma em um milhão?

Nunca se comparar a ninguém é o mais importante que aprendi nesses dez anos. Aprendi com o o tempo e a maior lição foi o dia em que parei de olhar para as outras bailarinas e comecei a olhar pra mim. Parei de pensar que elas eram lindas, russas e com o corpo ideal para o balé e passei a me preocupar com o meu corpo. É aí que você começa a crescer e melhorar tanto, e você passa à frente dos outros sem perceber. Quando eu vi, eu era o primeiro cisne da fila na frente das outras russas, estava fazendo solos, e nem percebi quando isso aconteceu porque estava trabalhando com o meu corpo.

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Colaborou: Lana Carvalho, especial para a Gazeta do Povo.