Hamm e Clov dizem:
Hamm: “O que ele está fazendo?”.
Clov: “Está chorando”.
Hamm: “Então ele está vivo”.
Blanche DuBois diz: “Eu sempre dependi da bondade de estranhos”.
Como artistas ou espectadores, nós conhecemos essas falas. Elas parecem simples, mas o seu poder e relevância não diminuíram nas centenas de performances ao longo dos muitos anos desde que Samuel Beckett [na peça Fim de Partida] e Tennessee Williams [na peça Um Bonde Chamado Desejo] as escreveram.
Por quê? O que é que faz uma peça ser boa? Os Personagens? A Trama? O visual? O texto? A mensagem?
Podem ser todas essas coisas e... muito mais.
Uma “boa peça” nos desafia, nos provoca, ainda nos dá um tapa de vez em quando. Uma “boa peça” pergunta, investiga e nos desequilibra.
Mas, quando nos sentamos para assistir a uma peça, o que esperamos? Embora, em última análise, essa seja uma questão subjetiva, existem algumas maneiras de se colocar diante de uma peça de teatro que podem ajudar a identificar o encontro com uma “boa peça”.
Primeiro, há que se considerar que devemos conhecer este meio: o teatro.
Um espectador que só assiste à tevê, ou que só vai ao cinema, por exemplo, pode estar com a sensibilidade condicionada por essas linguagens. Ou, limitado a um gênero: “Só assisto a comédias!”.
O encontro com uma peça é o convite para um mundo particular, um jogo particular com regras próprias. Ou seja, temos que estar dispostos a nos aventurarmos e ir ao encontro do desconhecido.
Este é para mim um primeiro elemento de uma “boa peça”: um quê de risco, de desconhecido.
Segundo, gosto de pensar que uma “boa peça” traz a possibilidade de uma aproximação pela via estética, dos grandes temas da humanidade. Amor, morte, solidão, (in)justiça, violência, liberdade, espiritualidade, sexo: são grandes questões com as quais lidamos, para as quais criamos mitos, que tentamos entender e das quais também fugimos.
Uma “boa peça” nos desafia, nos provoca, ainda nos dá um tapa de vez em quando. Uma “boa peça” pergunta, investiga e nos desequilibra.
Terceiro, a identidade estética. Minha própria lente subjetiva favorece um teatro que de alguma forma está ligado às questões da incomunicabilidade. Minha sensibilidade artística foi fortemente influenciada por artistas aliados ao “teatro do absurdo” e, por extensão, à filosofia existencialista. Então, claro, nossas crenças e nosso contexto também vão influenciar nossa percepção do que seja uma “boa peça”. E, mesmo que aceitemos o desafio para o desconhecido, a memória do que nos constitui sempre ecoa.
Quarto, o cuidado com todos os aspectos da produção. Figurinos, cenários, luz, som, coreografia, são elementos que podem ser muito efetivos para nos situar neste “outro lugar” não cotidiano. Embora a pirotecnia e a engenharia da produção dos grandes musicais, por exemplo, tenham o seu lugar e sejam divertidos, aposto naquele desejo essencial de ser tocado e de ser arrebatado pelo teatro. Desempenhos arrebatadores dos atores são como um “ás na manga” dos espetáculos. Não precisamos necessariamente deixar o teatro felizes por ter apreciado o desempenho de um artista. Às vezes, saímos abalados, incomodados, tristes, perplexos, mas com a forte impressão de que estivemos diante de uma “boa peça”.
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