Desde o último dia 3 de dezembro, quando foi aberta a exposição Translúcido Imagens e Movimentos, um estranho objeto não identificado anda à solta no Museu Oscar Niemeyer (MON), para espanto e/ou encantamento de muitos de seus frequentadores, pouco habituados a esse tipo de manifestação. A mostra, que se estenderá até 26 de fevereiro de 2012, reúne trabalhos de dois jovens curitibanos cujas formações estão fortemente ligadas ao audiovisual: Arthur Tuoto, que iniciou seus estudos em Curitiba, na Academia Internacional de Cinema (AIC), e os finalizou em São Paulo, para onde a escola foi transferida; e João Krefer, egresso da Escola Superior Sul Americana de Cinema e TV (CineTVPR), ligada à Faculdade de Artes do Paraná (FAP).
Mas boa parte do que o visitante encontra ao entrar nos domínios de Tuoto e Krefer em Translúcido Imagens e Movimentos não pode ser chamado de cinema, pelo menos não em stricto sensu. "É a primeira exposição sediada no MON, hoje um centro irradiador de arte e cultura de indiscutível importância, a partir do trabalho de artistas locais que têm no meio audiovisual sua forma de criação primordial, embora dialoguem com outras áreas e incursionem pelo terreno da fotografia e da instalação", diz o cineasta Fernando Severo, diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS), e cocurador da mostra, ao lado do crítico de arte Fernando Bini.
Quem acompanha de perto a cena da arte contemporânea, sabe que, sobretudo na última década, esse diálogo entre o suporte audiovisual e as artes visuais tem se intensificado. "Se tomarmos como medida a última Bienal de São Paulo, o maior evento do gênero da América Latina, aproximadamente um terço das obras exibidas eram dessa espécie", constata Severo.
E como como se deve chamar, então, o que Tuoto e Krefer fazem? Embora o termo videoarte seja utilizado de forma genérica, diz o curador, com a multiplicidade de formas de criação nesse campo, que se ampliaram exponencialmente após o advento do cinema digital, o termo mais adequado para definir esse universo criativo seria pós-cinema.
Com trabalhos exibidos em festivais e mostras nos Estados Unidos, França, Alemanha, Dinamarca, China e Rússia, entre outros países, os dois artistas têm traços em comum. "Uma das razões que nos levou a uni-los numa única mostra foram as similaritudes conceituais e de proposta estética que os ligam, embora nunca tenham trabalhado em conjunto. Ambos respondem a um corpo de influências que surge da busca pelo melhor da produção contemporânea e o conhecimento dos cânones do cinema e videoarte, cujo acesso hoje em dia é bastante facilitado pelos meios eletrônicos", explica Severo.
Um traço distintivo de união entre as obras dos realizadores, aponta a curadoria, é o trabalho com autoficção, uma modalidade que ganha cada vez mais força na narrativa audiovisual contemporânea.
Embate
Engana-se, entretanto, quem acredita que os trabalhos de Tuoto e Krefer são meros exercícios formais. Em entrevista à Gazeta do Povo, Krefer, hoje aos 24 anos, contou que um aspecto sobre o qual ele e Tuoto conversaram bastante durante a preparação da exposição foi que, cada um a seu modo, ambos haviam chegado a um ponto de suas carreiras em que a exploração de procedimentos formais per se já não bastava mais.
"Em termos de estilo, nosso ponto de partida pode ser a experimentação, mas queremos que tenha um diálogo mais direto com o mundo à nossa volta." Krefer explica que o eixo do seu trabalho, sobretudo o que ele vem realizando desde 2010, é o do embate entre sua visão pessoal e o senso comum. "Gosto da ideia de reflexão nos dois sentidos da palavra: tanto o de se pensar criticamente, quanto o de se incluir nesse juízo crítico. Por exemplo, quando eu fico sentado e vendado durante as oito horas em que muita gente está trabalhando [na performance Obra, registrada em vídeo e integrante da exposição], por um lado eu estou valorizando a arte e sua subjetividade como um trabalho; mas também estou questionando a medida que esse valor pode alcançar, especialmente quando vem a especulação econômica na arte contemporânea."
São exemplares dessa discussão da tensão entre indivíduo e coletivo os vídeos "XX" e "XXI". Enquanto o primeiro apresenta uma representação da bandeira brasileira em que as cores originais são substituídas pelo branco, preto, vermelho e amarelo, matizes raciais do nosso povo, o segundo é construído com uma série de fotografias de cidadãos de modo a formar um único rosto. "XX representa uma postura mais ligada ao modernismo, focada nos problemas da sociedade através de grupos representativos. XXI representa uma postura mais atual, da identidade nacional como algo impalpável, em constante transformação. E, quando ambos são projetados juntos, em duas superfícies que se encontram num único canto da sala, é como se eu me colocasse ali no meio, defendendo a convergência entre essas duas posturas. Não se trata de ficar em cima do muro, mas sim de um posicionamento individualista, muito mais no sentido defendido por Henry Thoreau do que o de John Locke", diz Krefer.
Invasão
Nos trabalhos de Arthur Tuoto em exposição, embora também haja esse caráter de autonarrativo que o conecta a Krefer, percebe-se um traço particular: um olhar que perscruta, investiga, quando não invade. À reportagem da Gazeta do Povo, o artista, que tem 25 anos e hoje mora em São Paulo, disse: "Quase todas as imagens dos meus trabalhos, sejam os vídeos ou as fotos, meio que me invadiram, digamos que eu não fui exatamente atrás delas".
O exemplo mais claro dessa invasão agenciada pela realidade é o vídeo "Corpo Delito" [confira trecho no site http://arthurtuoto.com/corpodelito.html]. Na obra, a imagem de um corpo inconsciente, filmado pela janela do apartamento do artista, é o ponto de partida para uma reflexão sobre o registro e a imagem traumática. "Acho que é um trabalho que evidencia bem essa questão da política e da ética do olhar. Eu simplesmente abri a janela do meu quarto e me deparei com um corpo na calçada, e alguma movimentação ao redor desse corpo que até hoje eu não entendo exatamente... e minha maneira de lidar com aquilo foi filmando, minha maneira de, digamos, tentar criar um sentido para aquilo. E nisso o vídeo alia uma faixa sonora [um diálogo] de uma conversa que tive por Skype com alguém, na época do caso da menina Isabela, evidenciando um pouco essa questão invasiva da mídia e etc."
A série de fotos "Ainda Estamos Tentando Entender o Que Aconteceu" (2010-2011) também faz um questionamento crítico da espetacularização da violência pelos meios de comunicação. Contrasta coma carga bastante afetiva presente na série "Glimpses" [http://arthurtuoto.com/glimpses/index.html], mas que, por sua vez, a ela se une por conta da questão invasiva do olhar.
Serviço:
Translúcido Imagens e Movimentos Videoarte de Arthur Tuoto e João Krefer. Museu Oscar Niemeyer (MON) (R. Mal. Hermes, 999), (41) 3350-4400. 3ª a dom. das 10h às 18h. R$4 (adultos), R$2 (estudantes), livre (crianças até 12 anos, maiores de 60 e escolas públicas pré-agendadas). Até 26 de fevereiro de 2012.
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