No momento em que foi lançado, há exatos 20 anos, Nevermind causou uma revolução. Ao tomar de assalto as paradas de sucesso em janeiro de 1992, na época massivamente ocupadas por artistas do pop, country e R&B, o Nirvana fez Michael Jackson, até então soberano com seu Dangerous, dançar o moonwalk ao som de "Smells like Teen Spirit".
Assim, Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl não somente abriram caminho para que outras bandas do undreground alcançassem o mainstream, mas alteraram profundamente e de maneira irrevogável para o bem e para o mal as estruturas do rock independente feito no mundo.
Afinal de contas, o disco, que acabou vendendo mais de 30 milhões de cópias ao redor do planeta e que hoje é tido como um dos mais importantes do rock mundial, não passava de um compêndio da música que vinha sendo ignorada pela indústria nos dez anos anteriores ao seu lançamento. A combinação de vigor e melodia, que já caracterizava a produção de ícones do underground, como Black Flag, Hüsker Dü, Dinosaur Jr., Pixies, Melvins e Sonic Youth, fascinava o trio de Seattle, que a sintetizou de forma mais palatável e bem produzida nas 12 canções de Nevermind. Kurt era o primeiro a admitir que o megahit "Smells like Teen Spirit" fora totalmente inspirado em Pixies, uma de suas bandas favoritas.
"Nova Liverpool"
Quando o Nirvana explodiu, Seattle se tornou a "a nova Liverpool". Todas as atenções se voltaram para a profícua cena musical da cidade do noroeste dos Estados Unidos. Representantes das grandes gravadoras iam de garagem em garagem em busca do próximo Nirvana. As bandas eram disputadas pelos selos como em um grande leilão e algumas chegavam a ser contratadas por motivos meramente especulativos. Diante de tal frenesi, a jornalista californiana Gina Arnolds, uma das mais eminentes críticas de rock e figura ativa do underground americano, chegou a declarar: "nós vencemos".
Por "nós" ela se referia a uma vasta cooperativa de fanzines, rádios de universidades, canais de tevê a cabo, pequenas lojas de discos, distribuidoras independentes, casas de shows, festivais alternativos, agentes, bandas e fãs, que vinham batalhando há mais de dez anos para que o mainstream se desse conta de sua existência.
Mas sucesso era algo com que muitas pessoas do underground não se sentiam confortáveis. Até o fim dos anos 80, bandas indies supostamente não deveriam ficar famosas e se ficavam, é porque havia algo de errado. O incômodo causado pelo estrelato (ainda que modesto) era tão visível que acabou virando produto de marketing: um dos lançamentos da gravadora Sub Pop no verão de 1989 era uma camiseta que estampava a logo do selo nas costas e, na frente, em letras garrafais, a palavra "loser". O "loser" (perdedor, na tradução) viria então a ser o herói existencial dos anos 90, exaltado pelo Radiohead em "Creep", de 1992, e imortalizado na canção "Loser", gravada por Beck no ano seguinte. E perdedores, como todos sabem, não fazem sucesso. Ou melhor, não faziam. Até antes de Nevermind.
Cavalo de Troia
O Nirvana lançou seu primeiro disco, Bleach, em novembro de 1989, pela gravadora Sub Pop. Na época, o álbum vendeu cerca de 30 mil cópias, número mais que festejado para os parâmetros independentes. Porém, fitas demo com algumas canções que viriam a integrar Nevermind logo passaram a circular entre as gravadoras majors. Aconselhado pelos mentores do Sonic Youth, que haviam assinado contrato com a DGC Records (Geffen), o Nirvana fez o mesmo.
"Entrei em choque. Na época, me pareceu uma enorme traição. Eu chorei publicamente", confessou anos mais tarde Bruce Pavitt, fundador da Sub Pop. Ou seja, além de "losers" que faziam sucesso, o trio de Seattle passou a ser visto por muitos do circuito underground como "traidores do movimento" após Nevermind ter virado um fenômeno de vendas.
A postura da banda em relação à cena indie, no entanto, estava mais para "cavalo de Troia". Cobain, Novoselic e Grohl faziam questão de subir ao palco usando camisetas de suas bandas favoritas e de ressaltar a torto e a direito as qualidades das formações nas quais haviam se inspirado. Fã dos escoceses do The Pastels, Kurt chegou a pedir encarecidamente que a banda, então em hiato, voltasse à ativa para abrir os shows da turnê de Bleach na Escócia, no que foi atendido. O vocalista e seus companheiros de banda também fizeram uma ampla divulgação em favor das conterrâneas Mudhoney e Tad, da californiana L7 e do trio de Washington The Melvins. Todas elas acabaram assinando contratos com grandes gravadoras.
"Nós promovíamos ativamente o underground. Sempre falávamos bem dessas bandas porque éramos idealistas e acreditávamos que a música podia fazer com que as pessoas vissem o mundo de outra maneira. Éramos acusados de vendidos porque assinamos com uma major. Mas, na nossa cabeça, estávamos lá fora promovendo uma revolução", declarou Novoselic este mês, em uma entrevista para a revista Billboard.
E a estratégia, apesar de ingênua, funcionou não somente para os grupos preferidos pelo Nirvana. Nos anos seguintes ao lançamento de Nevermind, várias outras formações alternativas vieram a ocupar o primeiro lugar das paradas, entre elas, Pearl Jam, Soundgarden, Stone Temple Pilots e Alice in Chains.
O grunge está morto
Fundada em crenças profundas e num forte senso de ética, a cultura underground de onde saiu o Nirvana acabou comprometida após o estouro de Nevermind. O mainstream tomou para si uma boa parte do zelo e da honra presentes no rock independente da época, e vendeu uma porção diluída para as massas, justamente no momento em que esse movimento atingia seu ápice de expressão. No entanto, a vitalidade da música e da comunidade foi severamente diminuída. Logo após o nascimento de sua filha, Frances Bean Cobain, em 1992, Kurt passou a ser visto usando uma camiseta com os dizeres "grunge is dead" (o grunge está morto, na tradução).
O descontentamento do vocalista em relação à cena capitaneada por sua banda fica explícito na ironia dos primeiros versos de "Serve the Servants", primeira canção de In Utero, lançado em setembro do ano seguinte: "teenage angst has paid off well/now Im bored and old" (na tradução livre, algo como: a angústia adolescente compensou/agora estou entediado e velho).
No fim das contas, a "revolução" mencionada por Novoselic foi e ainda é bem-sucedida. O rock independente ficou mais bem estabelecido após Nevermind, e muitos músicos dessa cena agora conseguem viver decentemente fazendo o que gostam, mesmo que para públicos razoavelmente específicos. A batalha, no entanto, parece ter sido muito mais divertida do que a vitória.
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