A herança modernista em Curitiba
O conjunto de prédios da reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Colégio Estadual do Paraná e o Teatro Guaíra são alguns exemplos de prédios públicos de arquitetura modernista da cidade, estilo que preza pela funcionalidade, muito influenciado pelo francês de origem suíça Le Corbusier.
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Um dos pioneiros da arquitetura modernista no Brasil, Lúcio Costa, o responsável pelo projeto piloto de Brasília, sempre teve como máxima dizer que a boa arquitetura de um determinado período sempre vai bem com a arquitetura de qualquer época anterior. O que não combina com coisa alguma, completava ele, é a falta de projetos arquitetônicos. Como e o que fazer para preservar a paisagem urbana e permitir que diversos estilos convivam harmoniosamente, em um momento em que a especulação imobiliária impera nas metrópoles? Fora as políticas públicas, por vezes capengas, há caminhos possíveis. O principal deles, destacado pelos especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo, é aquele que leva em consideração a afetividade. Ou seja, o tombamento de imóveis não deveria ser entendido como uma "camisa de força."
No entanto, essa não é uma tarefa fácil: é necessário levar em conta todas as restrições que um proprietário enfrenta quando o seu imóvel é tombado (um instrumento jurídico, no caso do Paraná, a Lei Estadual n.º 1.211/53, que coloca o local sob cuidados do Estado). Recentemente, o historiador Boris Fausto não ficou contente com a proteção de sua casa, de arquitetura modernista, em São Paulo. Foram dez anos de estudo até a definição pelo tombamento, e Fausto reclamou da falta de incentivo para o dono preservar o local. É justo: nesses casos, para reformar algo, é preciso autorização e prévio estudo técnico, mas não há ajuda financeira ao dono do prédio. É possível vender a casa, mas, geralmente, ela perde valor no mercado imobiliário.
No Paraná, existem dois tipos de subsídio voltados à proteção da arquitetura: a redução ou isenção do IPTU e a venda de potencial construtivo. A coordenadora do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura (Seec), Rosina Parchen, explica que o dono é notificado sobre o tombamento e tem 15 dias para manifestar se concorda ou não com a medida. "Ele tem de apresentar as razões. Geralmente, o argumento é pelo valor material, de que o imóvel vai desvalorizar. Mas isso não justifica." O pedido geralmente é realizado pelo próprio Estado, mas pode ser solicitado por qualquer cidadão na Seec. A finalização do tombamento é feita depois de estudos e aprovação do Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico, o que pode levar de poucos meses até anos.
Em Curitiba, não há lei municipal a respeito, mas existem as Unidades de Interesse de Preservação (UIPs), um inventário de diversos imóveis importantes para a história e a arquitetura que recebem um alerta da Secretaria Municipal do Urbanismo para que eventuais intervenções sejam analisadas porém, sem o mesmo rigor do tombamento. "A cidade talvez precise de uma lei, não são todos que aceitam o inventário como preservação", diz o coordenador de pesquisa da diretoria de Patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba, Marcelo Sutil.
A arquiteta Giceli Portela, que comprou uma casa tombada (a do arquiteto curitibano João Batista Vilanova Artigas) e bancou a restauração para instalar seu escritório, concorda que o dono tem o direito em aceitar ou não a medida. "No Brasil, normalmente a notícia [do tombamento] causa desconforto a proprietários particulares. Desconheço iniciativas eficazes que premiem alguém que conservou e manteve sua casa como elemento representativo de nossa cultura." Já a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Luiza Marques Dias, não crê na "penalização total", mas entende que as regras do tombamento, em alguns casos, poderiam ser mais flexíveis. "A rigidez leva a um movimento contrário. Mas quem mora em uma casa e conserta algo que prejudica a estrutura faria isso também em condições normais, sem o tombamento."
Afeto
Orgulho e relação afetiva com o bem são os melhores pontos de partida, enfatiza o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Curitiba, José La Pastina Filho. "A cidade da Lapa tem um processo de preservação há mais de 40 anos. E a população sabe da importância. Outra vantagem é que os proprietários das casas geralmente são os mesmos há décadas ou herdeiros, o que gera um apego positivo." La Pastina destaca, entretanto, que os edifícios devem evoluir. "Não podemos viver em séculos anteriores. Você precisa realizar adaptações, como instalação de climatização, por exemplo, além dos recursos de acessibilidade, que hoje são obrigatórios por lei."
Uso
Curitiba tem, segundo a Seec, cerca de 50 bens tombados, além de três coleções de arte (David Carneiro, Coleção Museu Paranaense e João Turin). Grande parte deles são casarões históricos, como a sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), de 1890, que no momento passa por reforma emergencial para consolidar as paredes e trocar o teto. O imóvel, fechado há sete anos (a sede do museu foi transferida temporariamente), chegou a um estado calamitoso. Surge a dúvida: se o tombamento é proteção do estado, por que esses imóveis não recebem a manutenção contínua necessária?
Rosina explica que, nesse caso, a atenção dada foi deficiente, agravada pelo espaço ter sido fechado e pela demora de verbas para as obras. "Só o uso conserva os bens urbanos culturais, esse é o melhor caminho." A professora Maria Luiza acredita que uma "fiscalização" por parte da sociedade só ocorrerá quando existir uma apropriação do espaço urbano, um processo demorado, lento e que precisa ser trabalhado exaustivamente.
Ter a consciência de que um bem material não é isolado, mas que reflete um contexto, também precisa ser uma ideia disseminada. "É valorizar a paisagem, e isso se faz com educação. Todo mundo vai à Europa e acha lindo aquele cenário. Mas aqui não fazem a mesma coisa", critica Marcelo Sutil.
Exemplos
Não há sentido em tombar algo que vire um "elefante branco" e que pareça deslocado. O fundamental é preservar a essência e conferir nova utilidade ao espaço. La Pastina cita dois exemplos um bom e outro ruim em Curitiba. "O Shopping Mueller é um péssimo exemplo. A essência do antigo ambiente industrial foi destruída, só ficou a casca." O Teatro Paiol, um antigo paiol de pólvora, é uma intervenção exemplar, segundo ele. "Foi muito bem trabalhado e tinha uma vocação para o teatro, por conta do formato de Arena."
Caso as medidas de preservação atuais não sejam respeitadas ou aprimoradas, existe, sim, o risco de termos a longo prazo uma perda de memória arquitetônica. Giceli Portela lembra que em Curitiba a Casa Romário Martins é o único exemplar remanescente da arquitetura colonial, fato que serve de alerta. Preservar não só fachadas, mas a memória cultural, é o grande desafio.
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