O que é imprescindível a uma majestade? Uma boa relação com seus súditos, uma possível vocação política? A determinação em seus atos e convicções? A capacidade de adquirir e conservar a idolatria? Roberto Carlos pode ser chamado de Rei por esses e outros motivos. Ao completar 50 anos de carreira, o menino que ganhava balas como prêmio em concursos radiofônicos do Espírito Santo carrega consigo parte da história musical brasileira.
O sujeito, com cara de povo e aura real, foi capaz de se moldar à sociedade e até mesmo modificá-la culturalmente em cada fase de seu reinado. Causou rebuliço ao vestir uma jaqueta de couro e cantar como os jovens (e para os jovens) no final da década de 1960. Foi chamado de transviado, inclusive. Sob sua coroa ainda em forja, colocou o que de melhor acontecia na música pop britânica e norte-americana, e teve uma sensibilidade coletiva para tornar-se um dos primeiros ídolos da indústria cultural moderna no Brasil mesmo sem se aliar a suportes políticos e "fundar" a Jovem Guarda.
A majestade torna-se mais agressiva musical e esteticamente entre 1968 e 1969. "As Curvas da Estrada de Santos" e "Sua Estupidez" talvez sejam o ápice de seu posicionamento crítico, que hiberna a partir da década de 1970: Roberto Carlos torna-se conservador, como a maioria dos brasileiros que envelheciam naquele tempo. A majestade guia seu povo.
O que ajuda na construção de um símbolo um Rei é o mito. Roberto Carlos não fala sobre o dia 29 de junho de 1947. Naquela manhã, garotos aproveitavam o feriado na cidade capixaba de Cachoeiro do Itapemirim. Uma velha locomotiva fazia uma manobra lenta, mas perigosa. A tragédia acontece quando um vagão passa por cima da perna direita daquele menino de 7 anos. "Relembro bem a festa, o apito/ e na multidão um grito/ o sangue no linho branco", canta o Rei em "Divã", música do álbum Pra Sempre. O assunto morreu para Roberto e ganhou ares de fábula.
O Rei segue seu caminho tornando-se mais sóbrio, solene. Romântico, enfim. As baladas sempre acompanharam sua carreira. Mas, a partir dos anos 1980, suas composições abusam de clichês românticos, tão valorizados na pop music daquela época. Mais uma vez o Rei soube se enquadrar e sua mudança, estética e musical, foi responsável por um dos seus maiores feitos.
"Uma coisa que impressiona é o trânsito sociocultural de Roberto Carlos, que é consumido por várias faixas culturais, sociais e etárias. Ele é parte da história da música brasileira, e uma boa história da música não deve ser feita apenas a partir das obras primas dos compositores mais intelectualizados, sob pena de perdermos as conexões sociais profundas que as canções têm com a sociedade", diz Marcos Napolitano, doutor em História Social pela USP.
Com a vida mais calma ao trocar a jaqueta de couro pelo paletó branco, sua intimidade se revela, fazendo de alguns acontecimentos pessoais verdadeiros capítulos de uma novela da vida real. Maria Rita, sua terceira esposa já havia sido casado com Cleonice Rossi e Mirian Riosa morre em 1999, vítima de câncer. O Rei passa a se aproximar de temas religiosos em suas músicas e, nesse ano, o especial Roberto Carlos transmitido pela Rede Globo desde 1974 fica fora da programação da emissora: o povo chora com sua majestade.
Mas um dos maiores desafios em décadas para esse músico que vendeu mais de 100 milhões de discos mais do que os Beatles na América Latina começou no estádio Sumaré, dia 19 de abril. Em sua terra natal, fez o show de abertura da turnê especial Roberto Carlos 50 Anos de Música, promovido pelo programa cultural Itaúbrasil 2009, que terá 24 apresentações em 20 cidades. "Desde a primeira vez que cantei em rádio, decidi que era aquilo. Eu iria ser cantor", disse o Rei, determinado, em entrevista coletiva em março deste ano. É a majestade pedindo passagem.
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