Em meio a outras figuras menos conhecidas, algumas com os braços cruzados e cenhos franzidos, Marieta Severo gesticula, com o dedo em riste. Ao seu lado está Renata Sorrah, que assente, com olhar de indignação. Todos levantam plaquinhas coloridas: #FICAMinC.
A cena passou no “Jornal Nacional” na terça-feira (17). Era uma reunião de artistas e integrantes da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), que se encontraram para escrever uma carta aberta pedindo a volta do Ministério da Cultura (MinC). “É um retrocesso, uma censura à criatividade”, disse o global Marco Nanini.
Em uma das fileiras, um rapaz de barba aparada e camisa xadrez aberta no primeiro botão ouve atentamente. Na tela, ele se confunde com os artistas que protestam contra a extinção da pasta. Dois dias depois, no entanto, estaria no Palácio do Planalto: era o novo secretário nacional de Cultura de Michel Temer (PMDB) – cargo que foi chamado pela consultora Eliane Costa, uma das seis mulheres que o recusaram, de “coveiro do MinC”.
CULTURA
Calero não tem trajetória ligada ao meio artístico. Segundo um assessor que trabalha com ele desde 2013, no entanto, o novo ministro tem uma afinidade maior com o teatro. E também gosta de música popular – principalmente sambas-enredo.
Marcelo Calero (PSDB-RJ), então secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, era o recurso final do presidente interino para lidar com o problema mais barulhento de seu governo até agora – a forte reação do cenário artístico e cultural à extinção do ministério, que motivou a ocupação de prédios públicos em várias capitais. Temer já havia ouvido recusas de pelo menos seis artistas e professoras convidadas para assumir a secretaria, em uma tentativa de responder também às críticas sobre seu governo ter apenas homens. Depois de dez dias, no entanto, Temer cedeu e recriou a pasta no último sábado (21). Calero será ministro, mas as ocupações sinalizaram que vão continuar.
Ambição política
Calero , 33 anos, é advogado e diplomata, de uma família tradicional na diplomacia brasileira. Antes da secretaria de cultura do Rio, passou pela Comissão de Valores Monetários (CVM), ligada ao Ministério da Fazenda, pela Petrobras e pela embaixada do Brasil no México em 2007. Chegou a se candidatar a deputado federal em 2010, fazendo 2.252 votos.
Era presidente do Comitê Rio450, um programa de comemoração ao aniversário do Rio, quando foi chamado por Eduardo Paes (PMDB) para a assumir a secretaria municipal no lugar do jornalista Sérgio Sá Leitão, no início de 2015. Seu nome era elogiado com frequência pelo prefeito nas cerimônias públicas, diz “O Estado de S. Paulo”. “Ele nunca escondeu a ambição política dele. Esta intenção sempre foi clara”, disse um assessor.
Diálogo
Calero – que contou em entrevista ao “Globo” ter uma foto de Vinicius de Moraes em seu gabinete por considerar diplomacia e cultura convergentes – disse em nota divulgada à imprensa no sábado que vai “preservar conquistas, aprofundar políticas exitosas e criar novos programas”. E se apresentou novamente com o mote do diálogo.
“Ele é um diplomata. É um cara que estuda muito, alguém bastante inteligente e que sabe fazer o jogo político
O perfil negociador não é desmentido nem por setores da classe artística carioca que tiveram boa relação com o secretário nem pelos que criticam a linha das suas políticas.
“Ele é um diplomata. Tem um perfil muito mais palatável. É um cara que estuda muito, alguém bastante inteligente e que sabe fazer o jogo político”, diz Rodrigo Bouillet, cineclubista e membro do Conselho Estadual de Política Cultural do Rio de Janeiro. Ele é um dos militantes da classe artística carioca com posicionamento crítico em relação às medidas de Calero na secretaria – para Bouillet, mais focada em obras de maior visibilidade em detrimento de políticas descentralizadas e de longo prazo.
Ele expandiu a cultura pela cidade, em vez de mantê-la restrita aos bairros da zona sul [do Rio de Janeiro]. É um cara aberto ao diálogo
Igualmente crítico em relação à atuação de Calero na prefeitura do Rio, Frederico Neto, um dos conselheiros municipais de Cultura do município, também destaca este perfil do novo ministro, e diz esperar debates “razoavelmente elevados” dos movimentos organizados com o novo titular da pasta, prevendo que os principais pontos de discussão se darão em torno da descentralização das políticas de cultura (que, para ele, tendem a se centralizar no Rio de Janeiro com Calero), privatização de equipamentos culturais e uso de organizações sociais. “O debate [na área cultural] sempre foi rebaixado. Vai ser um embate difícil, mas pelo menos o discurso vai ser qualificado”, diz.
Artistas aguardam política do MinC
O novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, será empossado nesta segunda (23), quando pretende iniciar o que chama de “tempo de diálogo e de muito trabalho”, como escreveu em sua página no Facebook. “É preciso compreender a cultura dentro de uma visão democrática e inclusiva, valorizando a diversidade de nossas manifestações, especialmente as que surgem em nossas periferias.”
Ele terá de enfrentar também protestos, com vários prédios governamentais, inclusive a Funarte do Rio, ocupados por representantes da classe artística para pressionar o governo, empenhado em reduzir o número de ministérios. O presidente da Funarte, Francisco Bosco, aliás, recusou-se a conversar com Calero quando este ainda era secretário. Veja o que dizem representantes da classe artística sobre a volta do MinC:
José Padilha, cineasta
“A cultura, no mundo inteiro, é apoiada pelo Estado. Na Inglaterra, na França, na Alemanha, etc. O cinema americano, por exemplo, recebe infinitamente mais incentivos fiscais do que o cinema brasileiro. De modo que a ideia de que existe no Brasil uma “farra” de artistas feita com incentivos fiscais, e que isso é uma distorção em relação ao resto do mundo, é uma ideia que não corresponde aos fatos. Isto posto, o que me parece realmente importante é saber qual será a política cultural do pais, quanto do orçamento da União será alocado para a sua consecução, com base em que critérios e mecanismos será feita a alocação dos recursos disponíveis, e quem irá fiscalizar os produtores culturais que receberem estes recursos. A cultura precisa da organização mais inteligente, enxuta e eficiente possível para formular esta política e levá-la a cabo. O nome desta organização não me parece ser o mais importante. Sou a favor de chamá-la de Ministério da Cultura se isto acalmar o ânimo dos formadores de opinião do país. Mas não sem antes lembrar a eles que quem elegeu o Temer foram os eleitores da Dilma. Eu votei nulo.”
Eduardo de Souza. Barata, produtor teatral
“Foi uma grande vitória para a sociedade, para os profissionais de cultura e para o Brasil. O MinC é o espaço correto para as discussão e formulação de políticas públicas para o setor cultural. É o ministério que possui especialistas nas áreas de patrimônio público, em memória e em todos segmento das artes. Além de entender a preocupação em relação a um distribuição mais equilibrada de verbas para todas as regiões do país. A performance do Calero como gestor da pasta de cultura na cidade do Rio, foi de excelência. Além de estar sempre disponível para o diálogo. Já houve o compromisso de cumprir com o passivo do ministério e de liberar 230 milhões para isso, em até 4 meses. Também foi anunciado que o MinC terá 50 % de aumento no orçamento de 2017.”
Paula Lavigne, produtora
“A recriação do Ministério da Cultura é uma vitória, como Caetano disse: ’O MinC é uma conquista do Estado brasileiro, não é de nenhum governo’. E é isso, o MinC não pertence a nenhum governo para ser ‘tirado’ e ‘colocado’ a qualquer momento. Foi forte a pressão, conseguimos a volta do Ministério da Cultura, agora precisamos mostrar o nosso valor. Precisamos reconstruir a imagem da cultura. Não somos um ônus, um custo desnecessário para o Estado. Somos geradores de empregos diretos e indiretos, pagamos impostos, participamos para a riqueza do país, não só da ‘imaterial’, da ‘alma’, mas principalmente da material. Somos um setor importante da economia que também está sofrendo com a crise, que também enfrenta o desemprego. A indústria criativa não pode ser tratada como coisa de ‘vagabundos que mamam nas tetas do governo’. Há pesquisas que provam: empregamos mais que o setor automobilístico. Muita gente pensa que o Ministério da Cultura se resume em Lei Rouanet, e não é isso. A Lei Rouanet também precisa de reformas, é inegável, mas assim como muitos setores no sistema brasileiro. Ninguém pode viver sem arte. Não somos ‘vagabundos’, somos artistas, produtores e trabalhadores dignos, como qualquer outra profissão.” (Estadão Conteúdo)
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