Pessoas enchem um bar curitibano em uma quinta-feira fria e chuvosa. Empolgadas, fazem da mesa percussão e suspendem o papo para prestar mais atenção ao que ali acontece. Outras tantas lotam o Sesc da Esquina em um sábado à noite e, após o show, fazem fila para perguntar mais sobre o que acabaram de ouvir. Essas e outras proezas já estão no pequeno, mas impressionante currículo do Jazz Cigano Quinteto. Com proposta inovadora e muito bom gosto, o grupo tem causado burburinho em Curitiba, por mais que a divulgação seja no tradicional boca a boca. De quebra, provam que há público e espaço na cidade para o que é original e feito com esmero.
A galinha dos ovos de ouro de Eduardo Mercuri (violão, 23 anos), Vinicius Araújo (violão, 21), John Théo (violino, 22), Fred Pedrosa (contrabaixo, 23) e Mateus Azevedo (percussão, 28) atende pelo nome de Jean-Baptiste Reinhardt (1910-1953). E aí uma explicação se faz necessária.
Por mais que fosse belga, o músico mudou o curso do jazz, o gênero do Tio Sam. "Django", seguindo a tradição cigana, fugiu com a primeira namorada. O fato que mudaria sua vida e influenciaria sua música aconteceu em 1928. O casal morava em uma carroça, que pegou fogo em uma madrugada daquele ano. O músico violinista e violonista perdeu parte dos dedos anular e mínimo da mão esquerda. Com a falta deles, Django desenvolveu uma técnica própria para tocar. Ela influenciou todo o gênero tipicamente norte-americano, mesmo aquele feito em décadas seguintes, por exemplo, pelo sax de Coleman Hawkins e pela guitarra de Charlie Christian. Até chegar aos ouvidos dos curitibanos.
"A levada que a música tem e o suingue próprio é o que mais marca. Quem ouve tem vontade de se mexer", aponta Théo, estudante de Engenharia da Computação que retornou à música devido ao projeto. De fato.
A jovem turma se encontrou nos corredores da FAP Faculdade de Artes do Paraná , onde Eduardo se formou e Pedrosa e Araújo estudam. Mercuri se deixou seduzir pela sonoridade do violão de Django quando viu no YouTube outro guitarrista, o sueco Andreas Öberg, interpretando o cigano. "Essa música carrega muita emoção. Aquele povo sofreu muito, mas tinha na música uma alegria insuperável", diz o violonista.
O quinteto original de Django era composto por três violões, um baixo e um violino. O projeto segundo os músicos, um dos quatro existentes no Brasil nos mesmos moldes começou como um quarteto, e os primeiros shows foram na própria faculdade. "O pessoal já batia palmas junto, já cantarolava", lembra Azevedo.
O primeiro show fora da academia aconteceu em novembro do ano passado. Em março deste ano, passaram a se apresentar todas as quintas-feiras no Realejo bar e restaurante que os adotou. "O público está crescendo e percebemos uma fidelização", conta Mercuri, apesar de lembrar que o grupo, hoje, não conseguiria se sustentar somente com a música que faz.
Adaptações e repertório
Pela internet, o quinteto comprou dois violões de fabricação chinesa. Buscando a sonoridade cigana, os instrumentos têm um timbre único e um som mais vibrante, alto. O cuidado técnico com a execução é também perseguido na interpretação, o que faz com que a experiência de ouvir o grupo seja realmente impressionante, apesar da pouca idade dos músicos.
"A música também tem a ver com o estado de espírito. Se alguém de nós não estiver 100%, fica ruim", conta Mercuri. O repertório abrange as músicas mais conhecidas de Django, como "Minor Swing" esta em interpretação inspirada e "Minor Blues", além de composições folclóricas adaptadas pelo cigano, como "Red Eyes/ Les Yeux Noirs". Choros da década de 1940, standards de jazz, composições próprias, de Villa-Lobos e Piazzola, e até a cubana "Quizás, Quizáz, Quizás" têm vez. "Sempre conseguimos conquistar a plateia", gaba-se o violonista que também curte um hard rock da década de 1980.
O Jazz Cigano Quinteto pretende gravar seu primeiro disco até o final deste mês. Enquanto isso, continua se apresentando no Realejo. "Até onde durar o estoque".
Serviço: Jazz Cigano Quinteto www.myspace.com/jazzciganoquinteto. Realejo Culinária Acústica (R. Cel. Dulcídio, 1.860), (41) 3311-1156. Quintas-feiras, às 21h. R$7.